Letra para um hino
É possível falar sem um nó na garganta
é possível amar sem que venham proibir
é possível correr sem que seja fugir.
Se tens vontade de cantar não tenhas medo: canta.
É possível andar sem olhar para o chão
é possível viver sem que seja de rastos.
Os teus olhos nasceram para olhar os astros
se te apetece dizer não grita comigo: não.
É possível viver de outro modo. É
possível transformares em arma a tua mão.
É possível o amor. É possível o pão.
É possível viver de pé.
Não te deixes murchar. Não deixes que te domem.
É possível viver sem fingir que se vive.
É possível ser homem.
É possível ser livre livre livre.
Manuel Alegre
Muitas pessoas não vivem, fingem que vivem. Não são livres na medida em que lhes falta a liberdade de dizer sim ou dizer não. Não são livres porque não têm as condições mínimas para cumprirem uma vida digna. Não são livres porque as circunstâncias os fazem andar murchos e de olhos colados no chão.
Enquanto muitos, apesar de trabalharem, são atirados para as geografias da pobreza, esse lugar que é o reino das sombras e de todas as invisibilidades, ganha expressão a falta de compaixão que faz aumentar a soberba e a arrogância.A humanidade vai-se perdendo. Muitos adormecem outros tardam em acordar. Entretanto os que não sabem que é possível viver sem fingir que se vive, como nos disse Manuel Alegre no seu poema “Letra para um Hino” escrito em 1967, num tempo em que era preciso resistir à opressão da ditadura, com a palavra transformada em arma na defesa de todos os queriam ser livres e desejavam viver de pé.
Felizmente, hoje vivemos tempos de caminhos democráticas consolidados. Infelizmente, o poema de Manuel Alegre continua actual. Não por causa da ditadura que já não existe mas devida à ausência de liberdade e dignidade de todos os que não vivem, mas fingem que vivem. Se mergulharmos nas palavras do poeta português, retirando-lhe toda a expressividade de combate e resistência ao regime totalitário então dominante, podemos encontrar a ausência de liberdade e a opressão no contexto actual de dificuldades extremas que retiram o pão da mesa, fazendo com que muitos caminhem murchos e de olhos colados ao chão, sem poderem dizer sim ou dizer não. O poema continua a ser um hino à liberdade e à esperança nos dias melhores.
Como diz o povo “não há bem que sempre dure e mal que nunca acabe.” É também por isso que o poema de Manuel Alegre é absolutamente actual porque nos diz que é possível “viver de outra forma (…) falar sem um nó na garganta (…) é possível andar sem olhar para o chão/ é possível viver sem que seja de rastos/ Os teus olhos nasceram para olhar os astros /se te apetece dizer não grita comigo: não.” Os tempos são duros. Mas a esperança renascerá sempre que ajudarmos todos os que pudermos para que se levantem do chão. Sim, é possível “viver de outra forma. É possível o pão sem andarmos de olhos colados no chão. Se ajudarmos e nos ajudarem sempre que precisarmos podemos ser livres, todos, para vivermos uma vida plena sem fingirmos que se vive.
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