Roberto Leal, cantor português e brasileiro, venceu duras privações ao longo da vida. Atravessou oceanos, fintou o destino, mas não conseguiu superar a dura batalha que travou contra o cancro da pele que colocou um fim à sua viagem aos 67 anos. Saiu de Portugal num tempo em que a sua geografia dos afectos era assolada por muitas dificuldades. Da sua aldeia de Vale da Porca, em Trás-os-Montes, partiu para o Brasil à procura de um tempo novo. Foi do outro lado do Atlântico que conheceu o sol da vida. Foi num lugar muito distante da sua terra natal que conheceu o sucesso e alcançou a fama. Depois de muitos trabalhos e esforço a música foi a ponte que carimbou o passaporte para o sucesso. Ao longo da sua caminhada progressiva foi somando êxitos, acumulando prestígio e riqueza. Nunca esqueceu Portugal e também os tempos difíceis que teve que atravessar com a sua família. Das dificuldades à abundância desenhou um percurso invulgar de ligação entre Portugal e o Brasil. Apesar do conforto que conheceu à custa do esforço, do trabalho e perseverança, nunca esqueceu as suas origens humildes e a importância do amor da família, sobretudo a marca que os seus pais lhe deixaram nos tempos sombrios que Portugal conheceu antes do 25 de Abril e que levaram muitas gerações, como as da sua aldeia, ao êxodo e à diáspora. Foi um artista de sucesso e um grande defensor dos emigrantes. Defendeu-os até à exaustão, sobretudo quando os preconceitos abundaram numa sociedade que teimava em não reconhecer o sucesso dos que arriscaram o futuro à procura de pão sobre a mesa. Em função da sua genuinidade Roberto Leal transformou-se num popular representante da diáspora lusa e num grande embaixador de Portugal no Brasil e talvez, com idêntica reciprocidade, num embaixador do Brasil em Portugal. O cantor da interioridade lusa transformou-se na expressão mais genuína da solidariedade luso-brasileira e da grandeza dos povos dois lados do atlântico que falam português. Ao longo de mais de 45 anos de carreira vendeu quase 25 milhões de discos, tendo recebido muitos prémios, honras e honrarias. Para além da música e do abraço atlântico fica para a memória do colectivo o homem, as suas ideias e afectos. E foi precisamente isso o que me impressionou em Roberto Leal apesar de não ser fã das suas canções. Nas últimas entrevistas que deu a diversas plataformas de comunicação foi dizendo que queria viver "mais um pouquinho para ver crescer os seus netos, conhecer o sucesso dos seus filhos e deixar a sua companheira em paz." São frases que arrepiam! São sonoridades que marcam! São manifestações de quem sabe que tem um futuro a prazo mas que ainda assim tem a esperança de mais tempo para continuar a caminhada. As últimas conversas de Roberto Leal são lições de vida e exemplos para fazermos mais e melhor enquanto ainda pudermos cruzar o caminho junto dos nossos, dos que amamos e de todos os que nos completam. Nas últimas conversas, as lágrimas e o verbo de Roberto Leal impressionam muito. São um exemplo e ao mesmo tempo uma grande inspiração. Nos tempos que correm a velocidades vertiginosas e de forma tão ocasional vale a pena escutarmos os que, em função da fortíssima experiência de vida, têm direcções do caminho para nos indicar. Roberto Leal foi, sem dúvida, uma das melhores expressões do sentir lusófono das dificuldades e do sucesso, da emigração e deste imenso abraço transatlântico que une, desde há muito, Portugal e o Brasil. Na hora da sua partida para a viagem sem regresso e, como ele disse, com "o cais da terra-mãe repleto de gente a acenar com lenços brancos" é tempo para nos curvarmos e revisitarmos o seu exemplo de vida para que a memória dos afectos nunca morra, em terras de cá e de lá. A humanidade resiste e resistirá enquanto houver uma lágrima de amor e de saudade e um abraço fraterno. Ao Roberto Leal só quero enviar um grande bem-haja e também um abraço lusófono que possa ecoar nas geografias sem fim a musicalidade do ?arrebita, arrebita, arrebita, a toda a moça que quer ser bonita!
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