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Memórias de infância: o medo da Coca
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Memórias de infância: o medo da Coca

Actualizado 14/08/2016
Miguel Nascimiento

Memórias de infância: o medo da Coca | Imagen 1

Há dias deparei-me com esta figura. Fotografei-a vezes sem conta. A sua silhueta impõe respeito mesmo à luz do dia. À noite mete medo! Não tem rosto. Olha para nós a partir de um buraco negro, um absoluto vazio. É uma figura misteriosa e de contornos pouco definidos como a querer dizer que ela só existe na nossa imaginação mas que, por vezes, tem que assumir uma forma para a podermos desenhar para além de todos os nossos receios, pesadelos e medos. Estas figuras alimentam hoje as feiras medievais e os encontros do fantástico e do sobrenatural. São parte do espectáculo que se montou à volta destas temáticas. São objecto de consumo e de muitas outras coisas. Mas o que importa para esta minha breve reflexão é que resgatei esta figura sinistra porque me lembrei da "Coca" que atormentou a minha infância. Esta figura é muito parecida com a minha construção mental da Coca dos tempos em que era menino. A Coca desassossegava as crianças, principalmente as mais rebeldes e irrequietas. Os adultos recorriam à figura da Coca para punir, limitar e controlar. Uma autêntica estupidez! Mas era assim que se fazia. À conta da Coca saía a ladainha costumeira: meu menino come a sopa senão vem lá a Coca e leva-te; não vás para aí que anda lá a Coca? ou porta-te bem senão chamo a Coca! As crianças como eu tinham medo da Coca. Não faziam isto e aquilo por causa da Coca e, para além disso, comiam a sopa toda! A Coca fazia parte do nosso tempo. Tal era a intensidade colocada neste medo da Coca que às vezes o sono custava a chegar. Mas, as mães contrabalançavam sempre o peso que os adultos colocavam na figura da Coca com a carismática canção de embalar do também mítico João Pestana: "Vai-te coca vai-te coca / Para cima do telhado / Deixa dormir o menino / Um soninho descansado". As mães, na sua sabedoria serena, recorriam à figura do João Pestana para exorcizarem todos os medos e promoverem um sono descansado. E os meninos lá dormiam "o soninho descansado" e no dia seguinte apenas tinham que se portar bem e comerem a sopa toda para evitarem os chamamentos da Coca. A idade e o caminho da vida ajudam-nos a "matar" a Coca ou a descobrir que afinal ela não existe; era apenas a representação do medo que oprimia e nos tolhia os movimentos e os comportamentos. No tempo da minha infância a Coca era uma figura presente e a melhor representação que conhecia do medo. A Coca afinal é um jogo psicológico - e uma representação de muitas coisas que não cabem neste texto - que é também parte integrante da cultura de Portugal e Espanha. Hoje, felizmente, a Coca já não faz parte do tempo das crianças. Ainda bem porque o processo educativo não deve assentar nos medos das coisas pouco definidas e que se alimentam de construções mentais. Ao reencontrar esta figura resgatei a memória da Coca e do medo dos tempos de infância. Finalizada a viagem no tempo e às memórias de infância regresso ao presente e a esta figura que se aproxima da construção mental da imagem da Coca para me questionar sobre as Cocas da idade adulta. Sim, do medo que todos temos desta ou daquela coisa, disto ou daquilo ? ou mesmo das coisas que não existem mas que ainda assim temos medo delas. Crescemos como o medo sempre presente. O medo fez e faz parte do processo de crescimento. É uma aprendizagem. Todos temos medo. Mas, como disse Mark Twain "coragem é a resistência ao medo, domínio do medo, e não a ausência do medo". Por isso, é sempre preciso termos a coragem de derrotarmos o medo que sentimos em algum momento da nossa vida. Muitas pessoas não avançam no caminho porque têm medo. Ficam paralisadas. Imóveis. Deixam de fazer. Deixam de ser felizes. É preciso avançar sempre, com ou sem medo! Quem atravessa muitas tempestades acaba por perder o medo da chuva. O medo precisa de ser superado. O nosso cérebro sabe disso. Às vezes falta-nos a coragem e inventamos mil desculpas e até dizemos que está ali o Coca que não nos deixa avançar para aquela zona escura onde começa o vazio e a incerteza. É aí que a coragem tem que falar mais alto. É nesse momento que devemos ter presente, entre outras, uma das muitas lições que nos deu Nelson Mandela: "Eu aprendi que coragem não é a ausência de medo, mas o triunfo sobre ele. O homem corajoso não é aquele que não sente medo, mas aquele que conquista por cima do medo". De resto, o medo é para ficar personificado nestas figuras, para as contemplarmos? e tiramos muitas fotografias. Depois, seguimos caminho e vamos em frente mesmo que mais adiante o percurso não seja conhecido.

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