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Zeca Afonso, o cantor-andarilho
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Zeca Afonso, o cantor-andarilho

Actualizado 28/02/2016
Miguel Nascimiento

Nesta semana os portugueses evocaram a memória de Zeca Afonso, o grande trovador da liberdade, falecido no dia 23 de Fevereiro de 1987, com apenas 57 anos. A doença levou, cedo demais, uma das grandes referências da nossa portugalidade e do nosso panorama musical e político. A nossa consciência e a recordação permanente deste grande cidadão activo e interveniente, trovador, compositor, humanista, resistente, combatente e opositor ao regime ditatorial de Salazar que mergulhou Portugal numa longa noite escura, fazem com que a sua memória, e fundamentalmente, o seu exemplo e a sua cidadania, perdurem por um tempo sem fim, muito para além da data da sua morte. "Grândola, Vila Morena", que foi a ignição para o início da "revolução dos cravos" que em Abril de 1974 abriu as portas da liberdade a Portugal, libertando os portugueses das amarras da ditadura e de um totalitarismo de quase 50 anos, é, sem dúvida, a sua canção mais marcante. Ela foi a senha que o MFA ? Movimento das Forças Armadas ? escolheu para desencadear o processo revolucionário que, nessa madrugada, faria cair o regime de Salazar. [Img #570505]Esta canção, este poema da liberdade, é ainda hoje uma tema que arrepia e comove porque os seus versos fortes e repletos de significado, saem das entranhas de todos os que sentem a liberdade como o ar que se respira. O seu ritmo é libertador. Marcou o tempo da Revolução! O Zeca Afonso uniu o país cantando vezes sem conta a "Grândola, vila morena / Terra da fraternidade / O povo é quem mais ordena / Dentro de ti, ó cidade". A obra de Zeca Afonso é vasta e muito rica. A PIDE, a polícia política do Estado Novo, fazia-lhe uma marcação permanente num país de "bufos" que o Zeca Afonso condenava e, por isso, esforçava-se como cidadão, professor e cantor para "fazer o que fazia falta" que era "agitar a malta", contrariando um país de "carneiros" cheio de medos, perseguições e zonas negras. Era preciso contestação e intervenção. Apelou, até que lhe faltaram as forças, para que os jovens pensassem pela sua própria cabeça para salvarem o país, e o país dos seus filhos e netos, retirando-o do tempo cinzento em que há muito mergulhara. Zeca Afonso alimentou-nos a utopia, serviu-nos a liberdade e regou-a insistentemente com as suas canções, as suas palavras e o seu afecto. Renovou-nos a esperança e em cada um dos seus empolgantes concertos e actuações apontou-nos o caminho. Esteve preso em Caxias, foi expulso do Ensino por ter ideias subversivas e revolucionárias, passou dificuldades, muitas dificuldades, sem nunca abdicar dos seus princípios e valores, da sua autenticidade! Zeca Afonso foi um homem de muitas geografias, cidadão do mundo, de Portugal, de África e da diáspora lusa. As suas canções e actuações eram sempre vigiadas pelo regime, muitos concertos foram proibidos e muitas canções riscadas do mapa da sonoridades audíveis. Era o trovador maldito que apregoava a liberdade e alimentava a esperança do povo em dias melhores, de igualdade, na terra da fraternidade, contando em cada esquina com um amigo e não com um "bufo" à espreita para, de forma cobarde, servir o regime de todas as intolerâncias. Curiosamente, a canção que deu início à "marcha revolucionária" passou entre "os pingos da chuva" e não foi censurada. A "Grândola, vila morena", quinta faixa do álbum "Cantigas de Maio" que tinha sido gravado em Hérouville, em França, em 1971, foi estreada no ano seguinte, em Santiago de Compostela, na Galiza, soltando depois todo o seu esplendor nessa histórica "madrugada" de Abril. Muitas outras canções de Zeca Afonso foram, entretanto, proibidas. "Cantares de Andarilho" foi o primeiro álbum a merecer uma distinção, pela Casa da Imprensa, como melhor disco do ano e melhor interpretação. No sentido de o protegerem das "garras" da PIDE o trovador da liberdade começou a ser tratado pela imprensa pelo anagrama Esoj Osnofa. A cumplicidade fintava o destino como podia. Foram tempos duros mas de grande coragem de um verdadeiro exemplo para todos nós. Zeca Afonso fundou o seu espírito humanista, a sua resistência à ditadura e o seu ímpeto trovadoresco, na cidade de Coimbra onde se licenciou em Ciências Histórico-Filosóficas. A partir do Fado de Coimbra e depois com a metamorfose que imprimiu à música tradicional portuguesa, Zeca Afonso criou uma nova sonoridade que misturou a nossa história e as raízes profundas de um povo, com os ventos de liberdade, amplificados na designada música de intervenção. Neste tempo novo e de esperança para Portugal o grande trovador da liberdade deu continuidade ao sonho, à revolução e aos seus princípios. Ele que foi o grande homem de combate a todas as amarras recusou, precisamente, a Ordem da Liberdade, uma das mais altas distinções honoríficas em Portugal. Nunca procurou honras nem honrarias. Combateu antes e depois da Revolução todos os Vampiros que "No céu cinzento sob o astro mudo / batendo as asas pela noite calada/ vêm em bandos com pés de veludo / chupar o sangue fresco da manada". Conquistou um lugar na história por muitas razões. Conquistou um lugar no coração dos portugueses por todas as razões!

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