Portugal e Espanha povoam a Ibéria. Ao longo da história deste território mais ocidental da Europa os dois países traçaram caminhos comuns, marcaram encontros e desencontros. Umas vezes cruzaram destinos e outras guerrearam-se. Mas, viveram sempre lado a lado. No imenso globo em que habitamos muitos pensam que a Ibéria é um país. Desconhecem que neste espaço europeu está definida uma das fronteiras mais antigas do velho continente. Esta linha que separa e une, como tenho dito tantas vezes, é também uma evidência marcante da existência de dois povos e duas culturas, com características vincadas, que interpretam as coisas da vida de forma diferenciada. Portugueses e espanhóis são diferentes apesar de pisarem o mesmo território. Portugal é uma realidade e Espanha é outra. Mas são dois países da Ibéria! Complementam-se! Sempre defendi que a grande força deste chão que pisamos reside, precisamente, na capacidade de juntarmos forças, competências e estratégias comuns, não só nos territórios de fronteira como em toda a latitude ibérica. Num momento em que as águas internacionais se agitam e que a Europa parece tolhida nos seus movimentos, enredada em processos burocráticos que parecem intermináveis, é preciso que surjam sinais e lideranças à altura dos tempos difíceis que vivemos. Infelizmente, num momento de grandes dificuldades económicas e financeiras a União Europeia tardou em encontrar soluções para os problemas do presente. O que sobrou em narrativas balofas faltou em eficácia, coesão e solidariedade. Apesar de tudo a União Europeia foi e ainda é o garante da estabilidade e uma referência dos valores humanistas que presidiram à sua constituição e que permitiram alcançar a paz nas décadas do pós-guerra, apesar das excepções que todos conhecemos. Mas, claramente, esta Europa tem que se metamorfosear numa "nova Europa" que tenha memória, valores e estratégia. Neste novo tempo os estados-membros devem ser ainda mais solidários e perceber que existem enormes diferenças entre a Europa do Norte e do Sul. Um espaço comum não pode ficar reduzido a um somatório de países e a um conjunto de regras mais ou menos ajustadas à realidade. A Europa, para prosseguir os princípios fundacionais, deve olhar para cada estado-membro, para a grande heterogeneidade do seu território, e tratar de forma semelhante o que é semelhante e de forma diferente o que é diferente. Uma política fiscal ou um sistema de solidariedade podem funcionar bem no norte e menos bem no sul. Esta Europa deve acordar e deve perceber que a sua força está para além das dívidas soberanas e das metas do défice de cada um dos países que a compõem. Uma Europa desequilibrada do ponto de vista orçamental não serve os interesses dos europeus. Mas, para além do necessário equilíbrio das contas públicas dos seus estados-membros é preciso que surjam as lideranças que nos façam sonhar, de novo. Como nos disse Sebastião da Gama: "Pelo sonho é que vamos, comovidos e mudos. Chegamos? Não chegamos? Haja ou não haja frutos, pelo sonho é que vamos!" O sonho europeu de Robert Schuman e Jean Monet merece ser continuado! Devemos continuar a sonhar com um projecto extraordinário de uma união entre os povos, com capacidade de projectar o futuro, promovendo o crescimento económico e o desenvolvimento sustentável no quadro da defesa dos valores humanistas da grande tradição europeia. Socorro-me de novo de Sebastião da Gama para lembrar que: "Basta a fé no que temos. Basta a esperança naquilo que talvez não teremos. Basta que a alma demos, com a mesma alegria, ao que desconhecemos e ao que é do dia a dia". A construção do sonho europeu passa também pelo fortalecimento dos espaços de fronteira, pelas regiões. A Ibéria pode e deve assumir um papel fundamental nesta nova geopolítica afirmando-se como a grande ponte cultural entre a Europa e a America Latina e todos os países da lusofonia. Portugal e Espanha terão a sua grande oportunidade se souberem gerar os entendimentos necessários para a definição de uma estratégia comum que os movimente da periferia europeia para o centro da polarização das relações de todos os países onde se falam as línguas de Camões e de Cervantes. É preciso que a Europa tenha a visão de abrir este espaço e que portugueses e espanhóis se façam ao caminho porque enquanto "chegamos e não chegamos" temos a certeza que "Partimos. Vamos. Somos!"
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