Quando éramos pequenos tudo nos parecia grande. As casas eram enormes. Os nossos pais eram gigantes. Os lugares que não alcançávamos eram montanhas inexpugnáveis. O nosso mundo era, no seu todo, enorme! O poeta brasileiro Manuel de Barros descreveu esta perspectiva comum à criançada de uma forma absolutamente deliciosa:
“Acho que o quintal onde a gente brincou é maior do que a cidade. A gente só descobre isso depois de grande. A gente descobre que o tamanho das coisas há que ser medido pela intimidade que temos com as coisas. Há de ser como acontece com o amor. Assim, as pedrinhas do nosso quintal são sempre maiores do que as outras pedras do mundo. Justo pelo motivo da intimidade.”
À medida que fomos crescendo a perspectiva da dimensão das coisas vai-se esbatendo. Provavelmente vamos perdendo a intimidade que temos com elas. O tempo da memória e das imagens longínquas e desfocadas vai exercendo o seu poder. Crescemos! Vamos nivelando o nosso olhar. Vamos alcançando esses lugares lá do alto até batermos com a mão no tecto. Mas também vamos perdendo a magia e o encanto que tínhamos nessa geografia povoada de gigantes e de coisas enormes. Já não temos medo das sombras e dos lugares escuros. Agora somos nós as sombras e todos os lugares escuros, sempre que nos afastarmos da luz. De vez em quando o tempo recorda-nos que já fomos crianças que viam como tudo era grande. É uma pena, como nos disse Antoine Saint Exupery, que nos esqueçamos tantas vezes disso. A dimensão das coisas é, cronologicamente, uma questão de perspectiva. Será? A criança que existe dentro de nós devia ter mais espaço nas etapas seguintes para nunca deixarmos de caminhar, em parceria, com a magia e o encanto. Só temos uma vida. Temos que usufruir dela da melhor forma possível. Por isso, nunca podemos deixar de alimentar o sonho desses castelos no ar que construíamos com tanto prazer. O nosso tempo é o somatório de todas as nossas etapas. Saibamos cumpri-lo por inteiro, lembrando-nos sempre que for necessário que um dia também fomos crianças que viam tudo grande, muito para além da realidade. Também por isso não devemos perder a nossa relação de intimidade com as pessoas e com tudo o que se cruza no nosso caminho, para que as “pedrinhas” do nosso quintal sejam sempre maiores do que as outras pedras do mundo.
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