, 28 de abril de 2024
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Eugénio de Andrade, o poeta do sol
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Eugénio de Andrade, o poeta do sol

Actualizado 14/10/2023 09:17
Miguel Nascimento

Se fosse vivo, Eugénio de Andrade, teria completado 100 anos no mês de Janeiro deste ano. O poeta maior desta pátria que é a língua portuguesa deixou-nos uma obra tão vasta quanto impressiva que devemos sempre revisitar. As suas palavras repletas de musicalidade e movimento a todos nos ligam e re-ligam ao chão, à “Terra-Mãe”, à Póvoa de Atalaia, ao Fundão, à nossa Beira, à nossa casa comum. Nelas sentimos todas as madrugadas, as mulheres de negro, os campos e o sabor agreste desta terra sem barcos. Numa outra ocasião tive a feliz oportunidade de escrever sobre o “génio de Andrade”, como referenciou sabiamente Arnaldo Saraiva, o seguinte: “(…) é mais do que um poeta intemporal e um dos maiores do nosso tempo! É um mar imenso de poesia! Um templo das coisas escritas. Um apaixonado pelas palavras (…) Encanto-me sempre que repouso o meu olhar no belíssimo poema “agora as palavras” para perceber como alguém pode amar tanto o que escreve: “eu gosto delas, nunca tive outra paixão, e elas durante muitos anos também gostaram de mim: dançavam à minha roda quando as encontrava. Com elas fazia o lume, sustentava os meus dias, mas agora estão ariscas, escapam-se por entre as mãos, arreganham os dentes se tento retê-las. Ou será que já só procuro as mais encabritadas?” Quem ama dá vida ao seu amor. E os grandes amores do poeta da Beira, da serra da Gardunha e do sol, foram sempre as suas palavras que, num determinado tempo da longa viagem, lhe “obedeciam menos” e a “propósito de nada resmungam, não fazem caso do que lhes digo, não respeitam a minha idade.” A poesia também é identidade e referência para a nossa memória e geografia de afectos. As palavras do poeta também são pão para o caminho que temos atravessado nesta nossa imensa demanda da interioridade. Ali, no seu lugar de origem, estão as suas raízes fundacionais que, apesar dessa circunstância não renegam, e bem, outras latitudes como as cidades de Coimbra e do Porto. Apesar da longa viagem de Eugénio de Andrade, é ali, na Beira, que se encontra edificada a “materna casa” de Póvoa de Atalaia, como magistralmente escreveu Fernando Paulouro. Foi ali, “naquele chão de todas as cumplicidades e emoções, que se ergueram monumentos às palavras juntas que abraçaram sempre o sol e a água. Foi na densidade do território das mulheres de negro e das leiras lavradas pelo suor e pelas lágrimas que germinou a arte e o amor às palavras espalhadas ao vento e traduzidas em múltiplas línguas da humanidade. Entre as mãos e os frutos, a terra-mãe ganhou lugar de expressão e de colheita de “palavras calmas, claras e repletas de luz” como disse, justamente, Mário Viegas. Eugénio de Andrade afirmava-se como um poeta artesão, talvez por trabalhar as palavras com a minúcia e a paciência que elas merecem. Mas os artesãos são como os monges que se isolam para limarem as suas arestas e consolidarem a sua fé, o seu caminho, com reflexão e oração. O poeta do sul e do sol é um artesão da palavra que mergulhou no seu labor com paixão ardente, dedicando-lhe o coração e a vida”. A materna casa do poeta, talvez como as outras de outros e de outras circunstâncias, teve e tem aquele sabor agridoce que os homens que fazem coisas sempre podem experimentar. Apesar disso, Eugénio nunca deixou de amar a sua terra-mãe para nela se inspirar, semeando palavras ao vento e ao sol, especialmente as que eram mais ariscas e encabritadas… e também as que arreganhavam os dentes e lhe fugiam da rédea a toda a hora. Este ano e um pouco por todo o lado, as comemorações do centenário do seu nascimento convocam a atenção para a sua obra. Ainda bem. Com isso, alguma luz se fará no caminho. Mas estamos todos longe, muito longe, da verdadeira valorização da obra de um escritor-poeta fabuloso e merecedor de um alargamento maior da visibilidade da sua safra. Mas há e haverá sempre tempo para valorizarmos a essência das palavras que sempre traduziram as coisas quem sentimos em comunhão com os campos que habitamos porque, como escreveu o poeta, “no teu rosto começa a madrugada.”

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