Viernes, 26 de abril de 2024
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O sono das águas
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O sono das águas

Actualizado 12/03/2023 09:17
Miguel Nascimento

Há dias, no fio das notícias das redes sociais, confronto-me com a imagem que sustenta as palavras deste pequeno texto. Um ser humano tapado e deitado num banco de jardim ou de uma rua (não sei), naquela que é a sua cama, quarto e casa de ocasião. Esse homem não tem rosto porque o manto que o abriga também lhe cobre as feições do desespero e da angústia. O quadro vivo da exclusão social está aí, na rua, à vista de todos os que passam e captam o momento. A imagem feita fotografia dos tempos desiguais em que vivemos é também a expressão maior da contradição na medida em que esse banco de jardim tem a seguinte inscrição: Yes, life is good. Sim, na verdade a vida é boa, mas não é para todos. O caminho tem rosas mas os roseirais estão repletos de espinhos. O perfume não chega a todos, sobretudo às latitudes demasiado cravadas de espinhos. Esta é também a imagem do nosso tempo feito de desigualdade social, de indiferença e de egoísmo. Cada um de nós tem as suas circunstâncias e o seu caminho. E se a nossa viagem correr bem isso significa que temos a redobrado obrigação de ajudar os outros a fazerem as suas travessias para que todos sem exceção possam dizer que a vida é boa. A coesão social é uma tarefa de todos e não apenas dos mais atentos. É um desígnio comum. A este propósito recordo-me do “Sono da Águas”, belíssimo poema de Guimarães Rosa, que nos fala de uma hora certa em que quase todas as águas dormem “nessa hora de torpor líquido e inocente. Muitos hão de estar vigiando,e chorando, a noite toda, porque a água dos olhos nunca tem sono”. Tal como as águas, nós também não devemos dormir enquanto os nossos olhos encontrarem estes bancos de jardim onde permanecem os nossos semelhantes em vidas invisíveis que estão à vista de todos. Os nossos olhos devem chorar e vigiar a noite toda, como nos diz o poema, e não podem ter sono, o sono justo das águas, porque o coração não deixa. A atalaia social é estendermos a mão aos que precisam, sem espectáculos ou exibicionismos. É actuamos no silêncio para equilibrarmos alguns planos que o caminho da vida desequilíbrou. E quando isso acontece podemos também cumprir a hora certa, no meio da noite, em que a água dorme na tranquilidade justa e merecida.

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