Sábado, 27 de abril de 2024
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Em defesa das bruxas
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Em defesa das bruxas

Actualizado 31/10/2022 08:20
Miguel Nascimento

Este é o tempo das bruxas. Ou melhor, é o tempo em que as bruxas são convocadas. Nem todos acreditamos que existam, mas como se diz em Espanha, “pero que las hay, las hay”. O tempo começa a ficar mais frio, adensam-se nevoeiros por aí. As noites tornam-se mais longas e escuras. A casa torna-se preenchida e as ruas mais desertas.

As sombras e as sonoridades do silêncio ganham outra dimensão e encanto. A noite agiganta-se. A natureza transforma-se cumprindo os seus rituais de sempre. Mostra-nos uma enorme paleta de cores e sabores. As montanhas que ainda têm florestas enchem-se de magia. O imaginário trabalha todas as narrativas entre a ficção e a realidade.

Neste calendário apertado onde cabem a evocação de Todos os Santos, as romagens aos cemitérios em dia de Finados e o Halloween, o tempo será sempre o que cada um quiser em conformidade com as suas crenças, religião e aprendizagens comunitárias. Também exorcizamos os nossos medos, receios e angústias.

Assentamos arraiais nos princípios e valores da ciência mas não rejeitamos, de todo, as respostas alternativas que possam existir, sobretudo em momentos de maior aflição. Nestes quadros mentais e reais em que vivemos e nos movimentamos a imagem das bruxas, quais silhuetas negras que atravessam as noites de luar com as suas vassouras mágicas, faz-nos mergulhar num caldeirão de ilusões e emoções em que, docemente, nos deixamos enredar e envolver por estes dias.

Para além dos imagens de encanto e fantasia, sempre necessárias para temperar o caminho, há uma viagem ao passado que devemos fazer para nunca nos esquecermos das atrocidades que a humanidade é capaz de cometer contratos os seus. A mulher foi sempre demonizada ao longo dos séculos. Foi também por isso que muitas, demasiadas, morreram como bruxas sem o serem.

A santa Inquisição e outros inquisidores constituem um dos exemplos maiores da nossa história colectiva sobre a normalização da estupidez e da intolerância. Ao longo dos tempos demasiadas mulheres morreram às mãos de torturadores e assassinos, que para além da hipócrita defesa da moral e dos bons costumes, tinham verdadeiramente medo, muito medo, da inteligência e capacidade de emancipação das mulheres que, sobretudo, após a decadência do regime feudal fitam desenhando caminhos próprios de autonomia e liberdade.

Em todo o mundo morreram milhares e milhares de mulheres sob a a acusação de bruxaria. Todas as fogueiras que as queimaram são a imagem da vergonha que a humanidade deve sentir em cada momento em que se confrontar com a sua própria história. Hoje, num mundo informado e globalizado, as bruxas são pedaços do nosso imaginário que reforçaremos na realidade entre o bem e o mal em conformidade com o que o nosso coração alimentar mais.

Porém, só agora, muitos séculos depois, é que as mulheres começam a equilibrar os planos que estiveram sempre inclinados. Mesmo assim todos sabemos que ainda há um longo caminho a percorrer. Porém e apesar da imensa geografia da modernidade as mulheres continuam a morrer e a ser vítimas dos seus carrascos, quais servos de todas as inquisições da intolerância e do medo de todas as que têm vontade própria e determinação no caminho.

Ainda é preciso estarmos de atalaia para não deixarmos que a inteligência e a capacidade de fazer ardam nessas fogueiras da estupidez, da soberba e da arrogância que, apesar de tudo, ainda vão fazendo os seus estragos. Defenderei sempre as bruxas, as do passado e as de hoje. Quero que continuem a cruzar em liberdade todas as noites de luar que quiserem.

Felizmente, não vivemos na Idade Média. Ainda assim há por aí muitos “pelourinhos” e muitos muros de obscurantismo para derrubar. E todos devemos estar mobilizados para esse combate para que nunca mais se condenem as bruxas que não existem “pero que las hay, las hay”.

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