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Retira-te!
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Retira-te!

Actualizado 23/07/2022 10:52
Miguel Nascimento

A correria dos dias retira-nos foco e concentração. Desgasta-nos. Por isso, de vez em quando, precisamos de um retiro que nos faça regressar a nós para nos reencontrarmos. Todos necessitamos de uma pausa que elimine a confusão dos sentidos que dão resposta a tudo e mais alguma coisa numa comunidade que já não sabe viver devagar. Por isso, o retiro é, para mim, uma geografia de solidão absolutamente necessária. É um tempo próprio de afastamento da confusão para que me possa encontrar comigo. Não é um acto de egoísmo. É um acto de amor e de responsabilidade. É amor para connosco para que nos possamos dar mais aos outros. É responsabilidade para com o nosso corpo e sobretudo com a nossa alma para, depois do reequilíbrio, podermos estar mais disponíveis para os outros. Resistimos muito ao nosso auto-confinamento, à viagem para o lugar ermo que pode ser longe ou perto. O que importa é navegarmos até ao silêncio que nos revela e encontra. Resistimos ao exercício do retiro porque temos medo dele. Encontramos mil e uma desculpas para não fazermos o que deve ser feito. Quase sempre dizemos que não temos tempo para nada. Não é verdade. Sabemos que não é verdade. Para o que importa temos que encontrar tempo. E se quisermos assim faremos. Porém, cada vez mais é necessário encontrarmos tempo para nós, para conversarmos com os nossos botões. Para nos questionarmos no recato como se estivéssemos perante um auditório repleto de mentes curiosas à espera do que temos para lhes contar. Resistimos muito ao retiro porque temos medo dele e de nós, das nossas respostas às perguntas que raramente ousamos fazer, justamente porque nos iludimos dizendo que não temos tempo. No retiro estamos a sós connosco, assumido apenas a companhia da nossa consciência que é uma coisa tremenda. A medo vamo-nos despindo de tudo o que nos pesa para nos tornarmos mais leves. O ermo reclama simplicidade. Dispensa todas as exibições e acima de tudo as máscaras que trazemos no alforge. Ali no escuro tudo se torna claro. Somos nós connosco, num confronto terrível com a realidade. Ao princípio é duro. Incomoda. Ainda estamos habituados à esgrima de todas as horas e aos combates sem tréguas que travamos com exagerada frequência. Depois, à medida que o vento sopra uma brisa suave vamos relaxando de nós como se, paulatinamente, nos fossemos libertando de todas as personagens que encarnamos todos os dias. Nesse exercício de solidão aparente vamos perdendo a noção do tempo e o coração vai batendo mais devagar, de forma pausada e regular. Agitamo-nos a qualquer instante na expectativa de um compromisso do minuto seguinte que depois percebemos não ter porque, entretanto, nos retiramos. A conversa connosco vai fluindo e encontrando uma ordem. A serenidade povoa o espaço para que no palco que só nós vemos desfilem as ideias que há muito estavam barradas por obstáculos aparentemente intransponíveis. A felicidade chega em forma de instantes de prazer. Os ponteiros do relógio deixam de existir. E nós sorrimos por dentro, agradecendo o facto de nos termos encontrado. O retiro foi uma ordem que aceitámos a custo. Mas agora que nos encontramos no ermo agradecemos o tempo do silêncio e a qualidade revigorante que nos proporcionou. No sentido inverso somos nós que regressamos a custo, mas tendo noção de que é preciso regressar à confusão para voltarmos a valorizar o silêncio do retiro a que nos devemos submeter mais vezes ao longo do caminho.

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