Sábado, 11 de mayo de 2024
Volver Salamanca RTV al Día
Quando a indiferença mata
X

Quando a indiferença mata

Actualizado 02/02/2022 12:39
Miguel Nascimento

Há dias a imprensa internacional dava conta da morte de René Robert numa das ruas mais movimentadas de Paris. O fotógrafo suíço morreu de frio, aos 84 anos, depois de ter estado nove horas estendido no chão sem que ninguém o ajudasse, apesar dos muitos que ali passaram. Depois do jantar, Robert foi dar uma volta, provavelmente à procura de mais um instante mágico na cidade luz para arrancar mais imagens para adicionar à sua enorme colecção de fotografias e de memórias.

Entretanto, caiu ao chão numa noite fria. E ali ficou até à morte. Foi, dizem, eventualmente, confundido com um sem-abrigo. A sociedade, habituada à indiferença dos caem e dos que nada têm, seguiu o seu ritmo normal, deixando de lado, caídos, tombados e todos os que não estão de pé.

A morte veio fria e solitária, embrulhada na indiferença que mata. Só na madrugada dessas longas horas sem luz um sem-abrigo se abeirou de René Robert para o ajudar. O socorro chegou. Mas já era demasiado tarde. O fotógrafo que, entre outros desafios, era apaixonado pelo flamenco, morreu sozinho, abraçado à indiferença que passa, fechando a sua caixa de imagens aos 84 anos, de uma forma absolutamente cruel. Paris foi o cenário da morte.

Mas podia ser qualquer outra cidade de grande dimensão onde a indiferença grassa e prolifera. A sociedade tornou-se demasiado fechada sobre si própria ao mesmo tempo que alimenta a individualidade, deixando à fome os valores que deviam sustentar uma comunidade que se diz humanista.

Neste cenário não devemos atirar pedras a ninguém. Mas devemos lamentar esta morte e todas as outras que, infelizmente, acontecem em circunstâncias idênticas e, sobretudo reflectir, reflectir muito sobre a nossa condição. Este homem, referência maior da fotografia e figura de topo na divulgação dessa outra arte que é o flamenco, sucumbiu à indiferença, ao abandono do humanismo e à ausência de nós. Ninguém é perfeito. E nós também não somos. Quantos se importam com os sem-abrigo? Desviamo-nos para ajudar sempre que essa realidade nos entra pelos olhos? Incomodamo-nos com a pobreza que mora à nossa frente? Também desviamos o olhar ou fazemos alguma coisa? Não podemos julgar.

Não nos podemos julgar. Mas temos, forçosamente, que melhorar porque a nossa comunidade não pode morrer de frieza. Se nós somos a comunidade temos que nos importar mais com os outros. Com os que sofrem e com os que, momentaneamente, precisam de uma pequena ajuda que pode fazer a diferença, salvar vidas, e encher de luz as geografias pintadas de negro e de trevas profundas. A mudança está em nós. Começa em nós. De nada servem as pedras da hipocrisia atiradas contra os moinhos de vento da nossa auto-satisfação. Não precisamos de colar na nossa pele as palavras do conforto social e do que fica bem dizer. Precisamos de fazer.

Precisamos de fazer por nós, pelos nossos e por todos os outros que precisam. Um dia pode ser o nosso avô ou o nosso pai a cair, sozinho, numa rua fria, sem que ninguém o ajude. Um dia podemos ser nós a agonizar sem ajuda e sem termos ninguém que nos salve da beira da estrada e do caminho que levávamos até que o infortúnio do destino nos interrompeu os sonhos de todas as imagens que queríamos fotografar.

Esta europa central, humanista e cosmopolita, deve dar mais de si, honrando os pergaminhos do seu percurso civilizacional para chamar o sol da bondade, da entreajuda e da solidariedade. Esta morte não tinha que acontecer. Há tantas mortes que não tinham nem têm que acontecer. Há tantos gestos por fazer para emendarmos a mão…

La empresa Diario de Salamanca S.L, No nos hacemos responsables de ninguna de las informaciones, opiniones y conceptos que se emitan o publiquen, por los columnistas que en su sección de opinión realizan su intervención, así como de la imagen que los mismos envían.

Serán única y exclusivamente responsable el columnista que haga uso de nuestros servicios y enlaces.

La publicación por SALAMANCARTVALDIA de los artículos de opinión no implica la existencia de relación alguna entre nuestra empresa y columnista, como tampoco la aceptación y aprobación por nuestra parte de los contenidos, siendo su el interviniente el único responsable de los mismos.

En este sentido, si tiene conocimiento efectivo de la ilicitud de las opiniones o imágenes utilizadas por alguno de ellos, agradeceremos que nos lo comunique inmediatamente para que procedamos a deshabilitar el enlace de acceso a la misma.