Todos sabemos que imagens, sons e cheiros podem evocar memórias, despertar emoções e também se podem constituir como autênticas máquinas do tempo, fazendo-nos regressar às geografias da nossa infância e às nossas memórias de afectos. Há dias tive o prazer de saborear um café na brasa. Foi um prazer imenso! Há muito que não tomava um café com aquele sabor que, de forma espontânea, fez accionar os meus mecanismos da memória, fazendo-me regressar a um tempo de adolescência e juventude onde o café na brasa significava a expressão da felicidade de dias e noites muito longas passadas na Serra da Estrela, nomeadamente entre as Penhas da Saúde e a Nave de Santo António. Ali na montanha, mais perto do céu estrelado, onde a amizade pura e o verdadeiro companheirismo não tinham condicionantes protocolares e a natureza nos envolvia sempre com o seu extraordinário manto de conforto, o aroma do café na brasa era, sem dúvida, um pequeno prazer a juntar a tantos outros. Dizem os cientistas que um cheiro não se esquece. E eu atesto esta fantástica constatação. Aquele cheiro do café na brasa, aquele sabor, tudo misturado ao ponto de não sabermos onde começa o cheiro e termina o sabor, despoletou em mim uma explosão doce de memórias e afectos. Falava com amigos sobre esta minha expressão afectiva e este despertar da memória das coisas boas a partir de um café na brasa quando, de repente, todos os meus parceiros de conversa começaram a desfiar, uma a uma, as emoções de tempos idos associadas a cheiros, sabores e imagens. Foi uma boa conversa. Construímos rapidamente um puzzle de grandes dimensões onde cada um dos interlocutores colocou uma peça de afecto, um pedaço de memória e um cheiro inconfundível. Retive uma expressão: "cheirava à casa da minha avó", repetida por quase todos. Um cheiro é, de facto, uma fantástica máquina do tempo e pode accionar a ignição da viagem de regresso aos nossos lugares de amor e de afecto que são, quase sempre, as casas das nossas avós. Aí, nesse lugar mágico, espaço de liberdade, o cheiro de um bolo a sair do forno, uma comida especial propositadamente preparada para nós, um café com leite acompanhado de beijos e abraços sem fim, consolidaram as fortalezas de afectos que fundaram muito do que somos hoje. Quem teve a sorte de crescer com os avós que os mimaram é portador de um imenso tesouro de afectos que, nos momentos mais difíceis da vida, é sempre uma reserva segura onde se pode sempre recorrer quando é preciso lançar amor em cima do ódio e das explosões de cegueira e de raiva que infelizmente acontecem nos momentos mais inesperados da vida. O cheiro da casa da minha avó, onde passava as minhas férias e os meus tempos de livres, é sempre um enorme porto de abrigo, repleto de memórias de coisas boas. É como uma bateria imensa que reforça energias e alimenta a esperança em dias de maior luz, principalmente quando as águas seguem turvas e os dias cinzentos. Três paus ardem lentamente na lareira enquanto o regaço da minha avó se transforma numa almofada de amor com um intenso cheiro a uma bondade sem limites. As suas mãos percorrem o meu cabelo enquanto escuto histórias de duendes e seres encantados na floresta até os olhos se fecharem num sono profundo e reconfortante. O cheiro do colo da minha avó é inconfundível e as suas mãos gretadas pelo tempo serão sempre a expressão de um amor genuíno e verdadeiro que apenas dá sem pedir nada em troca. Essas mãos enrugadas e ao mesmo tempo suaves e dóceis apenas reclamam a cada momento que nos aproximemos para que elas nos possam abraçar e dar carinho. O cheiro à casa da minha avó é património de um tempo que ficará sempre guardado no meu coração até que a última luz se apague. Esse cheiro inconfundível, esse mar de afectos, é parte de mim. Faz-me bem, faz-me respirar? fundamentalmente quando os dias têm um ar demasiado carregado. A casa da minha avó tem sempre a porta entreaberta para que eu possa entrar e uma cama preparada para que eu possa sonhar com todos os dias de sol e com todas as aventuras de duendes e outras personagens encantadas na floresta das histórias sem fim. O cheiro da casa da minha avó é eterno e acompanhará sempre a minha viagem. Às vezes posso não o sentir. Outras vezes ele chegará sem se fazer anunciar? mesmo que tenha apanhado boleia de um café na brasa!
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