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As mulheres de Atenas
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As mulheres de Atenas

Actualizado 25/10/2015
Miguel Nascimiento

"Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas / Despem-se pros maridos, bravos guerreiros de Atenas / Quando eles se entopem de vinho / Costumam buscar carinho /De outras falenas / Mas no fim da noite, aos pedaços / Quase sempre voltam pros braços / De

Lanço um olhar sobre a cidade na sua dimensão feminina a partir da conhecida e fantástica canção de Chico Buarque, "as mulheres de Atenas"! Trata-se de uma letra profunda, densa, que marcou um tempo, estimulou e inspirou muitos ventos de mudança! Como nos diz Chico Buarque "Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas / Despem-se pros maridos, bravos guerreiros de Atenas / Quando eles se entopem de vinho / Costumam buscar carinho /De outras falenas / Mas no fim da noite, aos pedaços / Quase sempre voltam pros braços / De suas pequenas / Helenas". A poesia é sempre o palco de todas as interpretações. A partir dela podemos viajar na imaginação do infinito. Embora esta canção tenha sido, por vezes, mal interpretada como um hino à submissão das mulheres aos seus maridos, cumprindo as regras deste e de todos os tempos de uma sociedade masculinizada, a verdade é que esta construção poética é uma sugestão finíssima e subliminar para que as mulheres não se revejam, precisamente, na forma deste tempo.

Assim, aquilo que parece não é! O desafio do músico e poeta brasileiro ao recordar-nos o "Mirem-se no exemplo destas mulheres de Atenas" permite, salvo melhor opinião, a realização de um caminho, nem sempre explorado convenientemente, sobre o papel das mulheres ao longo dos tempos, mesmo perante a evidência de uma absoluta dominação masculina. Como se sabe a democracia nasceu na cidade-estado de Atenas no século V a.C. Porém, apesar da importância desse acto fundacional da governação local o uso da palavra estava reservado apenas a alguns cidadãos da Pólis. Os cidadãos que discutiam apaixonadamente na Ágora da antiguidade helénica eram apenas os indivíduos livres do sexo masculino, filhos de pais atenienses, aos quais estavam reservados os privilégios da governação da cidade e outros privilégios. As mulheres não contavam para o jogo político. Eram apenas mulheres e não cidadãs. A Pólis e a política da antiguidade tinham em comum este espartilho e esta segmentação. Mas, por incrível que pareça e apesar de todos os avanços civilizacionais alguns segmentos da Ágora e da Pólis continuam a estar vedados às mulheres. Os conceitos de paridade e de igualdade de género são hoje uma base cultural que praticamente todos os actores políticos defendem. São tempos de modernidade e os políticos desejam sempre estar à altura dos tempos e das circunstâncias, pelo menos nãos questões de carácter conceptual. Mas, na verdade e apesar de todas as evoluções desse caminho, estamos longe, muito longe, dessa cidadania plena. Homens e mulheres partilham neste tempo a Ágora em igualdade mas estão longe de partilharem, em igualdade, o poder da Pólis! Quando se trata de poder e de partilhar esse mesmo poder todas as igualdades podem esperar. Sem querer mergulhar nas entranhas do poder e das lógicas do seu exercício quero apenas chamar a atenção para a importância de potenciarmos um olhar feminino sobre a cidade! Não numa perspectiva moderna e absolutamente democrática de promovermos a paridade e a igualdade de género. Isso está há muito assumido por todos os que querem andar para a frente.

É tempo de potenciarmos um olhar feminino sobre a cidade apenas porque, simplesmente, precisamos dele para valorizarmos a Pólis! Mais do que nunca precisamos desse olhar e dessa visão feminina das coisas! A cidade está construída sobre os escombros de uma presença masculina muito forte. A questão bélica atravessa os seus muros e a sua identidade. Quando acontece alguma coisa na cidade a resposta é sempre reactiva e de tendência bélica. Basta olharmos com atenção para as narrativas de quem detém o poder da cidade em determinado momento e de quem está na oposição. A dialéctica política reside sempre na perspectiva bélica, agressiva, de combate assente numa lógica de construção-desconstrução. Por isso, e como nos recorda Olivia Guaraldo "em vez de prever um horizonte catastrófico e apocalíptico, os olhos femininos retiram do acontecimento traumático uma ocasião para repensar a comunidade, a partir da perda, do trauma, do luto, mas sobretudo da vulnerabilidade". Perante uma adversidade o universo masculino prepara-se para o combate. A resolução de um problema reside no ataque, muitas vezes disparando em todas as direcções. Isso está na genética dos homens e foi sempre o registo de muitos séculos. Hoje a cidade da nossa modernidade caminha a passos largos para a cidade-estado. Vivemos tempos difíceis e conturbados que exigem de todos nós um esforço adicional para compreendermos o que se está a passar para seguirmos em frente, ultrapassando todas as vulnerabilidades! A cidade assume este grande desafio de ser a fiel guardiã da vulnerabilidade para, a partir desta aparente fragilidade, religar todas as dimensões da comunidade. Neste sentido, a cidade tem que reclamar um olhar feminino que lance sobre ela a luz necessária que tenha, como disse Olivia Guaraldo (num texto extraordinário sobre esta matéria) a capacidade de "imaginar outra história, alternativa àquela beligerante, reactiva, apocalíptica ? masculina e estatal ? da «guerra ao terror». Uma história que tem como centro da cena narrativa a cidade como espaço de uma experiência comum e compartilhada." Amanhã, entre os raios de sol, vou procurar esse olhar feminino que nos tem feito tanta falta![Img #461268]

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