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O direito de fazer e refazer a cidade
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O direito de fazer e refazer a cidade

Actualizado 03/10/2015
Miguel Nascimiento

"A cidade é a mais consistente e, em geral, mais bem-sucedida tentativa de refazer o mundo em que se vive segundo o desejo do seu coração. Mas, se a cidade é o mundo que o homem criou, é o mundo em que ele passa a estar condenado a viver. Assim, indirecta

O grande Zeca Afonso deu voz ao poema de José Carlos Ary dos Santos dedicado à cidade. Há dias deixei-me levar, de novo, pela sonoridade das guitarras de Coimbra que embalam esta canção emblemática que, por sua vez, nos recorda a cidade como "um saco, um pulmão que respira / pela palavra água, pela palavra brisa / A cidade é um poro, um corpo que transpira / pela palavra sangue, pela palavra ira". Desde tempos ancestrais que que a cidade é abordada como tema de estudo ou reflexão. A cidade foi sempre uma plataforma central na metamorfose da humanidade. Para Aristóteles, por exemplo, o "objecto principal da política é criar amizade entre membros da cidade". William Shakespeare, em Coriolanus, afirmava: "what is the city but the people", reforçando a ideia da "cidade das pessoas". Para os clássicos Marx e Engels a cidade ocidental moderna constitui o espaço da produção e reprodução do capital no contexto de uma sociedade capitalista. A cidade é, neste sentido, parte integrante de processos sociais mais amplos. A cidade como "tipo-ideal" de Weber centra no espaço urbano as dinâmicas do desenvolvimento do capitalismo moderno. Durkheim olha para cidade na perspectiva da análise da sua morfologia social. Em 1968 o sociólogo francês Henri Lefebvre introduz o conceito do "direito à cidade" revolucionando, por completo a análise do espaço urbano que passa a ter como caminho de investigação uma perspectiva fundamentalmente humanista reforçada no "resgate do homem como o principal protagonista da cidade que construiu (?) o ponto de encontro para a vida colectiva". O "direito à cidade" introduzido por Lefebvre tem sido usado como bandeira dos movimentos urbanos de combate à segregação e exclusão social e económica. As cidades foram, durante muito tempo, património do betão e do crescimento desmesurado, sem planeamento e enquadramento ambiental. A cidade foi durante muito tempo território dos blocos de cimento, dos guetos e da especulação imobiliária. Agora é preciso resgatar a cidade através da afirmação deste direito. Neste sentido, o britânico David Harvey, um dos geógrafos mais conceituados da actualidade, tem vindo a defender que o "direito à cidade é muito mais do que a liberdade individual, é uma oportunidade para nos refazermos a nós mesmos refazendo as nossas cidades". Harvey insiste "que este direito à cidade é um dos mais preciosos direitos da humanidade e ao mesmo tempo um dos mais negligenciados!" As cidades contemporâneas estão hoje mais segregadas e fragmentadas pelo poder económico do que alguma vez estiveram. Neste sentido, o homem deve reafirmar a importância dos valores, da cultura e a dimensão humanista através de um processo firme de resgate da cidade. Os cidadãos devem exercer o direito à cidade não numa perspectiva individualista mas no quadro de uma força colectiva porque a cidade é património de todos e também por isso deve ser cada vez mais inclusiva. Reclama-se aqui a promoção da cidadania na defesa deste direito real da reconfiguração da cidade, adequando-a às nossas necessidades efectivas e desejos colectivos, redesenhando as práticas arquitectónicas e afirmando o caminho da nossa humanidade. A cidade são as pessoas. E as pessoas devem ser felizes na cidade sentindo-a como sua participando sempre no debate e no processo colectivo da sua construção. Assim, e como diz Harvey, "se o nosso espaço urbano for imaginado e construído, poderá ser permanentemente re-imaginado e reconstruído". A participação dos cidadãos na construção da cidade reforçando a defesa deste direito inalienável vai ao encontro da ideia defendida pelo sociólogo urbano Robert Park em que "a cidade é a mais consistente e, em geral, mais bem-sucedida tentativa de refazer o mundo em que se vive segundo o desejo do seu coração. Mas, se a cidade é o mundo que o homem criou, é o mundo em que ele passa a estar condenado a viver. Assim, indirectamente, e sem qualquer noção clara da natureza da sua missão, o homem ao fazer a cidade refez-se". Estamos, mais do que nunca, no tempo de empreendermos esta tarefa, promovendo a cidadania, para construirmos uma cidade das pessoas, para nos refazermos como seres humanos e encarando o futuro com outra esperança.

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