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a idade maior
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a idade maior

Actualizado 25/01/2015
Miguel Nascimiento

"Quando a velhice chegar, aceita-a, ama-a. Ela é abundante em prazeres se souberes amá-la. Os anos que vão gradualmente declinando estão entre os mais doces da vida de um homem. Mesmo quando tenhas alcançado o limite extremo dos anos, estes ainda reservam

O grande mestre da retórica, Séneca, deixou-nos, desde o longínquo império romano, uma vastíssima obra com uma incrível actualidade. A propósito da "Idade Maior" que todos desejamos alcançar, Séneca diz-nos que devemos "aceitar a velhice" quando ela chegar e que a devemos "amar" pois ela ainda nos "reserva prazeres". Quero chegar a velho e ter prazer nessa condição. Quero acreditar no fim de um caminho doce e feliz. Não sei o que o futuro me reserva. Mas também não quero pensar nisso neste tempo. Quero viver um dia de cada vez e saboreá-lo como se fosse o último. Porém, penso muito nos meus concidadãos que alcançaram esta "Idade Maior" no quadro de uma sociedade de consumo que dá pouca importância a esta fase da vida. Os últimos Censos (2011) revelaram que existem em Portugal 2,023 milhões de pessoas com 65 ou mais anos. Estes dados fazem de Portugal o quarto país da União Europeia com uma percentagem mais elevada de idosos (19,2%). Desde a década de 60 o número de idosos quase duplicou. Por outro lado, a população jovem (pessoas com 14 e menos anos) é apenas de 14,89%, registando-se ainda uma esperança de vida à nascença de 79,2 anos. Estima-se ainda que, em 2050, se acentue a tendência de involução da pirâmide etária, com 35,72% de pessoas com 65 e mais anos e 14,4% de crianças e jovens, apontando a longevidade para os 81 anos. Em 2011 o nosso país registou um índice de longevidade de 79,20 (80,57 para as mulheres e 74,0 para os homens), apontando as projecções para um aumento significativo deste índice, já que se prevê que as pessoas possam viver, em média, 81 anos. As estimativas demográficas apontam também para que em Portugal, no ano de 2025, o número de pessoas com 100 ou mais anos ascenda aos 1.800 e, em 2050, alcance as 6.400 pessoas. Estamos perante um grande avanço civilizacional. A melhoria generalizada do acesso aos cuidados de saúde, alimentação e meios complementares de diagnóstico, entre outros, faz com que a nossa idade se estenda muito para além do que era expectável há umas décadas atrás. O aumento da esperança de vida é um sinal muito positivo para a nossa sociedade. Porém, não tenho a certeza da preparação da comunidade para lidar com esta longevidade. Desde logo, é preciso uma mudança de mentalidade muito significativa. Este não é apenas um problema de Portugal; é uma questão da Europa e do mundo. A velhice é encarada de formas múltiplas em função da cultura de um povo e de determinado território. No que diz respeito à sociedade ocidental há, como sabemos, um longo caminho a percorrer. Desde logo, a longevidade acrescenta um novo patamar à gradação das idades. Hoje, com as evidências demográficas e respectivas projecções podemos falar, com segurança, de uma quarta idade e de um tempo de "envelhecimento dos envelhecidos". A alteração significativa da pirâmide demográfica implica, naturalmente, um novo desenho de políticas sociais e económicas que estimulem, de facto, a natalidade e que, por outro lado, enquadrem o aumento da esperança de vida numa lógia de envelhecimento activo e num contexto de inclusão social. A sociedade de consumo, frenética e estonteante, tem vindo a colocar os idosos à margem do seu pulsar diário. Os idosos são, muitas vezes, encarados como um "fardo", um peso que é preciso colocar de lado. Naturalmente, ninguém assume esta postura mas, na verdade, a exclusão social das pessoas idosas é uma evidência. Há cada vez mais idosos. Mas há também cada vez mais pessoas idosas a viverem sozinhas e abaixo do limiar da pobreza. Infelizmente, são muitos os casos de idosos que morrem sozinhos sem a companhia das famílias e sem qualquer tipo de assistência. Há cada vez mais idosos institucionalizados cujo contacto com as famílias é diminuto. Por outro lado, uma sociedade moderna e avançada do ponto de vista civilizacional não pode permitir que, depois de uma longa vida de trabalho, os idosos sejam privados de uma vida digna, sendo as suas reformas e pensões sujeitas a cortes muito significativos. A crise financeira veio agravar muitas situações e colocar muitos idosos num processo de pobreza e exclusão social. Um outro problema reside na forma como se encaram os idosos. Infelizmente, são muitos os casos de violência física e verbal contra os idosos, nas ruas, nas instituições e nas famílias. Há uma exclusão dos idosos que é preciso reverter para honrarmos a nossa cultura ocidental de respeito pelos valores humanistas e da dignidade da pessoa humana em todas as fases da sua vida. Precisamos de uma mudança de paradigma que promova a reorganização social da comunidade tendo em conta o aumento da esperança de vida e a existência de uma quarta idade onde se incluem cidadãos que apesar dos anos estão ainda em boa forma física e mental. E os que não estão precisam do nosso carinho, do nosso amor e do nosso respeito. O nosso dever é cuidarmos de todos como cuidaram de nós quando éramos pequenos. O caminho passa pela solidariedade e coesão inter-geracional e por uma comunidade de respeito pelas pessoas e pelos valores. Os idosos são, pela experiência de vida, sábios e mestres de mil e um ofícios. Não podemos desperdiçar a sua sabedoria ignorando o contributo que podem dar às empresas, às instituições e à sociedade. Este tempo precisa de uma conciliação geracional e da constituição de equipas nos diversos patamares da sociedade que potencie o melhor que existe na juventude e nos idosos, juntando energia, força, beleza e sabedoria. Se percorrermos esse caminho a nossa sociedade ganhará com isso. Seremos todos mais felizes. E assim, espero um dia chegar a uma "idade maior" e aceitar a velhice e amá-la como nos disse Séneca sabendo que no meu país, na minha comunidade, há um lugar para eu ocupar com naturalidade.

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