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Os caramelos da fronteira
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Os caramelos da fronteira

Actualizado 23/11/2014
Miguel Nascimiento

Neste tempo frio que se aproxima do Natal lembro-me dos famosos caramelos que a minha tia Conceição me trazia de Espanha. Eram duros, muito duros! Quase que partíamos o maxilar para os comer. Mas tinham um sabor fantástico e uma carga simbólica muito grande: vinham de Espanha! A minha tia Conceição - que foi e é como uma segunda mãe para mim ? ia algumas vezes de excursão a Espanha, a Fuentes de Oñoro, Cidade Rodrigo e Salamanca no tempo em que as fronteiras tinham a alfândega e guarda civil por companhia permanente. Portugal e Espanha eram, nos finais dos anos setenta e início dos anos oitenta, jovens democracias à procura do seu caminho e também do sonho europeu. Mas, a fronteira teimava em separar dois países vizinhos e irmãos. Os carros paravam todos na fronteira e eram fiscalizados. Não se podia comprar muita coisa. Não sei ao certo quanto. Sei apenas que a minha tia Conceição, as suas amigas e vizinhas e todos os portugueses que atravessaram a fronteira nesses anos eram especialistas na arte do ilusionismo, na medida em que escondiam quase tudo o que compravam para que a alfândega não confiscasse os bens comprados em Espanha, com muito sacrifício, mas fundamentalmente com muito amor. Eram tempos duros. A fronteira de Vilar Formoso era como um muro. Do lado de lá, um território desconhecido recomendável apenas a aventureiros e a todos os que dependiam do contrabando para colocarem o pão na mesa! Ainda assim, passar a fronteira, apesar de todas as limitações e condicionalismos, passou a estar ao alcance de mais portugueses que ainda contemplavam os primeiros ventos de liberdade soprados pela revolução de Abril de 1974. Por cautela ou por outra razão seguramente válida, eu não acompanhava a minha tia Conceição nestas aventuras raianas. Mais tarde fui com ela, de comboio, até Paris. Foi uma grande aventura e uma viagem fantástica de que ainda hoje guardo memóri as extraordinárias! Porém, e voltando aos nossos caramelos da fronteira, devo confessar que ainda hoje não sei o que era mais doce, se os ditos ou as fantásticas histórias que a minha tia contava. Era a vizinha que tinha trazido um conjunto de loiças embrulhadas em casacos, xailes e afins. Era a prima que passou os enlatados de ananás, embrulhados em papel de jornal como se de uma merenda se tratasse, por baixo dos bancos do autocarro e muitas outras situações do género que caracterizavam a habilidade e imaginação destes novos aventureiros da Raia. Uns e outros contavam históricas fantásticas de entradas e saídas de autocarros e veículos ligeiros, com a guarda civil por perto e em alerta máximo. Inventavam-se mil e um números de ilusionismo para fazer passar isto e aquilo. Era uma espécie de jogo do gato e do rato num tempo difícil de fronteiras fechadas e de dois países, cada um à sua maneira, a tentarem romper o cerco de muitos anos em que as respectivas ditaduras os tinham mergulhado. Apesar da perícia dos viajantes tenho quase a certeza, a esta distância temporal, que a guarda civil deixava passar mais coisas do que aparentemente se julgava. Apesar da dificuldades do território Ibérico chegaram consumíveis e sinais de modernidade a Espanha primeiro do que a Portugal. Por isso, ir lá era mais do que uma viagem. Era uma aventura e também uma necessidade. O autocarro saía de manhã e regressava ao final da tarde e, na maioria das vezes, à noite. Eu esperava ansiosamente pelos caramelos de Espanha que a minha tia me trazia. Mas, a sua bondade não se ficava pelos caramelos. Lá conseguia fazer passar outras coisas, como as tabletes de chocolate com frutos secos! Eram enormes e rivalizavam com os chocolates que conseguíamos tirar com os furos nas tabelas da mercearia do bairro. Saía sempre uma mas não era tão grande e saborosa como as que vinham de Espanha que tinham frutos secos e tudo! A minha tia dizia-me sempre para não comer os chocolates todos de uma vez por causa dos dentes e também para os guardar para o Natal. Eu ficava contentíssimo com estes momentos e tinha sempre muita sorte, graças à bondade do coração da minha tia Conceição. Quando estava quase tudo arrumado e as histórias quase todas contadas a minha dizia: olha, Miguel, parece que ainda tenho aqui mais uma coisita para ti que estava esquecida no fundo do cesto da fruta! Os meus olhos arregalavam-se em direcção às suas mãos que sempre foram porto seguro. Elas exibiam uma bola branca como nos jogos a sério! A minha tia sabia como eu gostava de futebol?e aquela bola cheirava a felicidade e tinha um cheirinho a caramelo. Nos dias seguintes todos jogávamos com uma bola especial que tinha vindo de Espanha! Fazia questão que se soubesse?.e que tinha sido uma prenda da minha tia! Ainda hoje tenho saudades desses caramelos e dos momentos de alegria a que estão associados na minha memória! Felizmente, as fronteiras estão abertas desde 92 e pessoas e bens podem circular livremente em todo o território europeu. E Issoé fantástico! Mas, precisamente porque agora não precisamos de parar na fronteira para mostrar a identificação e abrir os sacos todos é que tem ainda mais valor o risco que muitos corriam especialmente quando queriam apenas arrancar um sorriso a uma criança! Felizmente, hoje podemos comprar caramelos em todo o lado. Até o "corte inglês" passou a fronteira com todos os seus produtos! Mas, aqueles caramelos eram especiais. Eram duros como os tempos difíceis que os enquadravam?mas doces como a bondade das mãos que os traziam. Eram os caramelos da fronteira e

[Img #145462]também um sinal de grande felicidade!

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