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A desordem interior
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A desordem interior

Actualizado 29/09/2019
Miguel Nascimento

"Descobri que a minha obsessão por cada coisa em seu lugar, cada assunto a seu tempo, cada palavra em seu estilo, não era o prémio merecido de uma mente em ordem, mas, pelo contrário, todo um sistema de simulação inventado por mim para ocultar a desordem

A desordem interior | Imagen 1

Cada pessoa é um universo. Cada cabeça é um imenso território por descobrir. Entre o lado de dentro e o de fora de cada ser humano há fronteiras intransponíveis e caminhos abertos à espera de serem percorridos. Nesses movimentos que são apenas nossos e estão aquém dos movimentos que nos ligam aos outros e à comunidade onde estamos inseridos, existem espaços de ordem e de desordem que nem sempre estão alinhados com o que é e, sobretudo, com o que parece que é. A este propósito Gabriel García Márquez disse-nos o seguinte: "descobri que a minha obsessão por cada coisa em seu lugar, cada assunto a seu tempo, cada palavra em seu estilo, não era o prémio merecido de uma mente em ordem, mas, pelo contrário, todo um sistema de simulação inventado por mim para ocultar a desordem da minha natureza." A desarrumação das coisas à nossa volta é, por vezes, um sinal da nossa desordem interior. Porém, essa perspectiva pode não ser a mais correcta. Nem sempre o lado de dentro e o de fora encontram uma relação de causa-efeito. Há muitas teorias que defendem a arrumação exterior como um princípio fundamental da arrumação interior. Mas, como sabemos, isso não é assim tão simples. Muitas pessoas dedicam muito à arrumação da sua casa, mantendo-a sempre impecável, limpa e organizada. Porém, esquecem-se dos outros, dos que estão à sua volta e de estimular as relações interpessoais. O extremo da organização pode também indiciar uma completa desarrumação de muitas veredas da interioridade. A maioria de nós não gosta de viver no caos, na desorganização das coisas. Mas também não desejamos passar a vida a arrumar o que está desarrumado. O tempo é um bem precioso e escasso. Temos que o respeitar e valorizar. As múltiplas solicitações do dia-a-dia impedem-nos, por vezes, de dedicar tempo à arrumação das coisas e das ideias. É também por isso que de vez em quando temos que parar para organizarmos as nossas ideias como organizamos as nossas gavetas. Quando temos a oportunidade de encontrar esse tempo de pausa, abrimos as janelas para deixarmos entrar o ar fresco, tal como libertamos a nossa mente para deixarmos entrar a luz das novas ideias e projectos, ao mesmo tempo que deitamos fora os pensamentos que nos incomodam e magoam. Entre termos tempo para nos organizarmos, por dentro e por fora, e passarmos a vida em processos organizativos, também por dentro e por fora, temos que ter a sabedoria de encontrar algures um ponto de equilíbrio entre uma coisa e outra. Hoje, as novas tecnologias ajudam-nos a realizar mais tarefas, com maior qualidade e rapidez. Porém, ao invés de procurarmos tempo livre para preenchermos com o que mais gostamos de fazer (mesmo que isso corresponda a não fazermos nada) acabamos por realizar ainda mais tarefas até chegarmos à exaustão. Nesse limite, em que procurámos alcançar o que não sabemos explicar, não tivemos tempo para arrumar as nossas coisas nem as nossas ideias. É então que nos sentimos perdidos e sem direcção. O caos onde mergulhámos sem percebermos levou-nos a uma geografia da desorganização. Nunca desejamos passar a vida a organizar meticulosamente as coisas, nem que isso correspondesse, como disse Gabriel García Márquez, ao exercício da dissimulação de nós, para nos defendermos das nossas fragilidades. Nunca perspectivámos esse caminho nem o outro, o do caos e da desordem. Mas, no meio de muitas batalhas e de muitas coisas para resolver deixámos de cumprir o que verdadeiramente importa: a vida e o extraordinário sentido que ela tem. Se ainda formos a tempo, precisamos de arrumar algumas gavetas, de dentro e de fora, não como uma obsessão para nos sentirmos organizados, mas como um gesto de amor em relação a nós para, simplesmente, ganharmos tempo para os afectos, para a vida e, acima de tudo, para nos relacionarmos com os que estão sempre disponíveis para nos beijar e abraçar!

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