O conflito: uma luz ou uma pedra no caminho?

O conflito surge no caminho em função das nossas escolhas. Temos conflitos com os outros por causa das nossas decisões. Os outros têm conflitos connosco por causa das suas decisões. Temos conflitos externos e internos. Todos os conflitos são duros porque implicam decisões e resolução de questões que são, na maioria dos casos, antagónicas. Implicam sofrimento e perturbação. A arte de decidir sem conflito não está ao alcance de todos. E nem todos aplaudem a decisão sem conflito. Mas, na verdade o maior desafio está dentro de nós em função do conflito que temos connosco em permanência. E esse conflito é o mais doloroso e também o mais importante. É ele que nos funda a cada instante e molda a nossa personalidade. Ao decidirmos, mesmo gerando conflitos connosco e com os outros, estamos a fazer escolhas e a assumir a nossa condição. Afirmamos o nosso caminho. Dizemos ao que vamos e para onde vamos. Somos nós. Somos a nossa identidade verdadeira que dá a cara pelas escolhas que fazemos ao longo do trajecto. Não há decisões boas ou más. Há decisões e consequências. E quem as enfrenta e acolhe assume quem é de forma inteira. Vivemos num mundo gelatinoso repleto de meias-verdades e meias mentiras onde a hipocrisia é a cola que nos agarra ao terreno escorregadio. Há gente sem rosto, absolutamente falsa. Mas é assim que vamos e a viagem tem que continuar. Aqueles que assumem os seus conflitos, os internos e os externos, encontram mais obstáculos no caminho e mais dificuldades na viagem. Mas são verdadeiros e autênticos. Não reclamam. Seguem em frente. Mas também não querem os afectos pela metade! Abraçam, riem e choram com alma a tempo inteiro! São verdadeiros! São referências! São grandes! Precisamos muito de gente assim, verdadeira. O tempo das meias verdades e como se diz agora da pós-verdade é um atoleiro lamacento que nos tem conduzido a um conjunto de vidas sem alma, sem fibra, sem coração! O conflito é um factor de mudança social. Sem conflito não pode existir consenso. Um depende do outro. Sem conflito e sem consenso há uma verdade assimilada por todos sem contestação. Mas essa verdade esvazia-nos, deixa-nos despidos, sem alma, sem nada. A nossa história colectiva está, infelizmente, recheada desses momentos que atiraram a humanidade para tempos cinzentos e de má memória. O sangue que nos corre nas veias deve ser sentido com grande intensidade. Devemos manifestar as nossas emoções e os nossos afectos. Devemos despojar-nos de todos os calculismos se quisermos ser nós por inteiro. As pessoas que estão à nossa volta aceitam-nos como somos. Por isso, temos amigos que reconhecem as nossas qualidades e também todos os nossos defeitos. Apesar disso abraçam-nos sem hesitar e com um mar de afectos porque sabem que somos verdadeiros, apesar das nossas falhas. E não devemos ter medo de vestir a nossa pele e seguir viagem acompanhados pela nossa autenticidade. E vestir a nossa pele significa assumirmos o conflito connosco e com os outros. A felicidade não é a ausência de conflito nem mora na paz podre que tantas vezes se estabelece. A felicidade encontra-nos se soubermos lidar com o conflito na medida em que os que são felizes não têm o melhor de tudo mas a capacidade de tornarem tudo melhor. Neste sentido e como nos disse William Ellery Channing, "as dificuldades devem ser usadas para crescer, não para desencorajar. O espírito humano cresce mais forte no conflito." Este é o tempo de assumirmos os nossos conflitos, os internos e os externos, para reforçarmos a nossa autenticidade e seguirmos em frente, ultrapassando os obstáculos do caminho para nos tornarmos mais fortes. É também por isso que o conflito será sempre uma luz e não uma pedra no caminho. Sim, assim a viagem tem outro sabor. É mais verdadeira!