O conhecido provérbio turco — “Quando o machado entrou na floresta, as árvores disseram: o cabo é dos nossos” — ecoa como uma fábula sombria sobre a fragilidade do juízo humano. A floresta, vasta e viva, representa a sociedade; as árvores, enraizadas e múltiplas, somos nós. O machado simboliza o poder que chega não pela força imediata, mas pela aparência de pertença. O cabo de madeira engana: por parecer familiar, a lâmina de ferro passa despercebida.
Há, neste gesto das árvores, uma tragédia silenciosa. O machado não se impõe — é acolhido. Não conquista — é legitimado. A floresta não cai apenas pelos golpes que recebe, mas pela confiança que concede. Confunde-se origem com intenção, semelhança com lealdade. Julga-se o poder pelo discurso e não pelas consequências. E assim, pouco a pouco, a destruição avança com aplausos.
Essa dinâmica ajuda a compreender porque tantas sociedades apoiam ideias, líderes ou decisões que agem contra os seus próprios interesses. A sedução da identidade, da proximidade simbólica ou do “ser como nós” substitui o exame racional. Não se pergunta o que faz o machado; pergunta-se apenas de onde vem o seu cabo.
Hannah Arendt oferece uma chave essencial para esta leitura ao afirmar: “O poder corresponde à capacidade humana não apenas de agir, mas de agir em conjunto” (Sobre a Violência). O machado só se torna verdadeiramente poderoso porque a floresta, ainda que sem plena consciência, age em conjunto ao aceitá-lo. O poder não nasce isolado; nasce do consentimento, explícito ou tácito, daqueles que o sustentam.
Sob uma perspetiva estoica, o provérbio assume o tom de advertência moral. Marco Aurélio escreve: “Se te afliges por algo externo, não é isso que te perturba, mas o teu juízo sobre isso”. As árvores erram no juízo antes de sofrerem o corte. Ao abdicar da razão crítica e seguir a emoção coletiva, colaboram com a própria queda. Para os estóicos, a liberdade interior exige vigilância constante sobre aquilo a que se concede apoio.
Também Sêneca reforça esse alerta ao lembrar que “não é porque as coisas são difíceis que não ousamos; é porque não ousamos que elas são difíceis”. Ousar, neste contexto, é questionar, resistir à facilidade das aparências e recusar a tranquilidade enganadora do consenso.
Assim, Quando a Floresta Aplaudiu o Machado não é apenas uma metáfora sobre poder, mas sobre responsabilidade. Recorda-nos que a verdadeira ameaça raramente chega como inimiga declarada; muitas vezes, apresenta-se como parte do grupo. E quando a razão se cala, até a floresta aprende — tarde demais — que nem tudo o que parece “dos nossos” está do nosso lado.