OPINIóN
Actualizado 30/11/2025 19:45:45
Miguel Nascimento

Vivemos um tempo paradoxal: nunca estivemos tão ligados e, simultaneamente, tão distantes. No centro desse paradoxo encontra-se a empatia — essa capacidade de compreender e sentir o que o outro sente, sem julgamento, que constitui a base das relações humanas e de qualquer comunidade saudável. No entanto, no ritmo acelerado da vida contemporânea, moldado pela polarização, pelo ruído constante e por um individualismo exacerbado, a empatia parece estar a esvair-se silenciosamente.

O enfraquecimento desta capacidade essencial pode ser entendido como um crepúsculo da humanidade, um esvanecer da luz que orienta a solidariedade e a compaixão. O humanista e Prémio Nobel da Paz Albert Schweitzer advertia que “o problema do nosso tempo não é a falta de recursos, mas a falta de humanidade”. A sua reflexão, profundamente ética, revela como a erosão da sensibilidade moral e da preocupação pelo outro se torna uma ameaça tão séria quanto qualquer crise material.

Hannah Arendt, por sua vez, via na perda de empatia mais do que um problema moral: considerava-a um sinal de alarme civilizacional. Para ela, a “morte da empatia humana” poderia colocar a sociedade à beira da barbárie, uma vez que a indiferença em relação ao sofrimento do outro abre caminho à desumanização e ao colapso dos valores éticos que sustentam a vida pública.

Zygmunt Bauman aprofunda esta ideia ao lembrar que “a incapacidade de nos colocarmos no lugar do outro é uma das principais fontes de crueldade no mundo”. A sua leitura da modernidade — líquida, acelerada, consumista — mostra como a fragilidade dos laços humanos e o afastamento emocional resultam não apenas em relações descartáveis, mas também numa perigosa erosão da responsabilidade moral.

Outros pensadores também alertaram para esta erosão silenciosa. Albert Einstein lembrava que “a nossa tarefa deve ser a de alargar o nosso círculo de compaixão para abraçar todas as criaturas vivas e toda a natureza na sua beleza”. A sua reflexão aponta para uma empatia que não se limita ao humano, mas que amplia o horizonte moral e nos convida a olhar o mundo com responsabilidade partilhada.

De forma complementar, o psicólogo Carl Rogers, um dos grandes teóricos da relação humana, escrevia: “Pensamos que ouvimos, mas raramente ouvimos com verdadeira compreensão, com verdadeira empatia.” Esta observação atinge o cerne do problema contemporâneo: confundimos escutar com responder, comunicar com debater, e acabamos por perder a capacidade de realmente acolher o outro.

A metáfora do crepúsculo não significa necessariamente escuridão permanente; simboliza, acima de tudo, um momento de transição. Um alerta. Se estamos, de facto, a testemunhar o esmorecer dos valores que nos humanizam, então cabe-nos decidir se permitimos que a noite avance ou se reacendemos a chama da empatia através das relações que cultivamos e das escolhas que fazemos.

Num mundo cada vez mais fragmentado, exercer empatia é um gesto profundamente político e moral. É um ato de resistência perante a indiferença. É a decisão consciente de contrariar o crepúsculo — e de manter viva a luz que nos conecta enquanto humanidade.

Etiquetas

Leer comentarios
  1. >SALAMANCArtv AL DÍA - Noticias de Salamanca
  2. >Opinión
  3. >Entre a sombra e a luz: a empatia no crepúsculo da humanidade