Devíamos parar mais em frente ao espelho. Não para cultivarmos o nosso exacerbado narcisismo nas, sobretudo, para vermos para além do nosso reflexo. O espelho diz-nos a verdade sobre nós, de forma objectiva. No confronto com ele estamos despidos de todas as justificações, maquilhagens e máscaras. Percebemos que o nosso pior inimigo somos nós. Julgamos tudo e todos segundo a nossa forma de ser. Interpretamos tudo à luz do que entendemos ser a verdade das coisas. Não sabemos colocar-nos no lugar do outro. Não lhe damos espaço. Ocupamos tudo no nosso egoísmo asfixiante. Pedro Chagas Freitas diz-nos, a este propósito, que “somos guerreiros quando a ferida está no outro. É fácil dizer aguenta quando não somos nós a sangrar.” Fazemos isso tantas vezes que não nos damos conta. Nas conversas que entabulamos ouvimos desabafos, queixas e relatos sofridos de vidas muito difíceis. Ouvimos sem escutar, verdadeiramente. Reconfortamos com um “tem paciência” ou “aguenta” porque, justamente, não somos nós a sangrar. Temos que saber colocar-nos no lugar do outro para que a compreensão de tudo ascenda a outro patamar. Não precisamos de sangrar em conjunto. Mas devemos perceber as circunstâncias de cada um para entendermos melhor o que diz e também o que pensa, sente e faz. Esse exercício não é fácil na medida em que estamos demasiado ocupados connosco, com o nosso ego. Mas é fundamental que façamos isso para reforçarmos a coesão social e o humanismo das nossas comunidades. Somos mais com o outro. Sozinhos somos apenas sombras do que podemos ser. Às vezes ajudar a curar feridas, dar um abraço ou prestar auxílio no momento certo, não por caridade mas em absoluta fraternidade, é o melhor caminho para nos construímos por inteiro. O lugar do outro importa. É lá que nós moramos sempre que tivermos coragem de olhar e perceber o que o espelho nos diz. Avancemos no caminho construindo todas as pontes que forem necessárias. O lugar do outro importa. Somos iguais nas diferenças que as circunstâncias do destino nos ditam.