OPINIóN
Actualizado 22/01/2024 12:46:42
Miguel Nascimento

Observo as comunidade em que vivemos para, infelizmente, constatar que estamos cada vez mais individualistas e cada vez menos preocupados com os outros. Isto, naturalmente, evidencia um retrocesso civilizacional e um enfraquecimento da paisagem humana que habitamos. Não reparamos que os outros existem e, sobretudo, se não os ajudarmos vamos criando geografias de invisibilidade. Neste sentido, também nós, aos poucos, vamo-nos tornando invisíveis.

E se nos tornarmos invisíveis na comunidade vamos perdendo identidade. Vamos morrendo aos poucos. Um dia a antropóloga americana Margaret Mead disse a um aluno que “o que nos distingue enquanto civilização é a empatia, a capacidade de nos preocuparmos com os outros.” No contexto de uma aula sobre esta matérias a professora falava de um fémur cicatrizado, com mais de 15 mil anos, encontrado numa escavação arqueológica. Essa descoberta é a evidência de que alguém tinha cuidado, alimentado e protegido outro quando este estava impedido de o fazer.

Na natureza, quando um animal está ferido ou debilitado está perdido. Se for predador não pode caçar. Se for presa não pode fugir. Nos primórdios da humanidade também era assim; os que tivessem a infelicidade de partir um fémur não podiam caçar. Ficavam para trás. Morriam! Um fémur cicatrizado foi o toque iniciático da civilização.

Depois de um largo caminho atravessado em comum, estamos a perder, paulatinamente, esse rasgo civilizacional que nos distingue; estamos a perder a faculdade de cuidar tornado os outros invisíveis. Estamos a regressar ao tempo das cavernas, à brutalidade que deixava para trás os que não podiam avançar. O tempo actual é tão alucinante quanto vertiginoso.

O sinais de egoísmo alimentam a corrida desenfreada, quase louca, para chegarmos mais à frente que os outros. No meio desta geografia confusa e desorientada esquecemo-nos dos outros, de cuidar. Por isso há cada vez mais invisíveis, gente que fica para trás e que vai morrendo aos poucos, no corpo e na alma. Entretanto, nós também vamos ficando invisíveis.

E mesmo que estejamos à frente vamos ficando para trás na medida em que vamos cada vez mais sozinhos e sem sentido de comunidade. A vida é feita de sol e sombras. Quando estamos ao sol alguns reparam em nós, aproximam-se e cuidam. Quando estamos na sombra (estamos muitas vezes na sombra) somos invisíveis, vamos morrendo aos poucos.

A este propósito ganha particular ênfase uma célebre frase de Charles Bukowski que muito aprecio: “Agarre-se àqueles que repararam em si quando era invisível. “ Esses, os que repararam em nós quando estávamos nas sombras, com o fémur partido, impedidos de avançar, são os nossos verdadeiros amigos. E são esses que devemos agarrar com todas as nossas forças, cuidando e deixando que nos cuidem. Se todos fizermos isso estamos a combater a invisibilidade para que ninguém fique para trás.

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