OPINIóN
Actualizado 22/10/2023 09:14:49
Miguel Nascimento

Há dias, com amigos, mergulhámos na planície alentejana para desfrutarmos da calma que as searas da luz nos proporcionam. A celebração do aniversário de um dos nossos era o pretexto da viagem. Para além dessa circunstância especial o que verdadeiramente importava a todos era rumar ao sul para o encontro com o tempo e o espaço que, naturalmente, acontecem devagar. Era preciso quebrar a rotina e fazer uma pausa ligeira nas batalhas que se travam todos os dias para se pôr pão na mesa. Por isso, decidimos parar para recarregar energias e outra tantas baterias. Há muito que não atravessava a geografia a sul que dá continuidade ao corredor da nossa interioridade beirã. A surpresa anunciada é a transformação da paisagem que vai ganhando nova paleta de cores em função das novas produções que o regadio decorrente do Alqueva proporciona. Na verdade, o Alentejo, essa terra tão grande, está a transformar-se num novo mosaico que exibe em simultâneo uma nova realidade. Onde há água, há vida. Há também um mundo novo que começa, paulatinamente, a despontar. Porém, apesar da metamorfose do tempo e das circunstâncias, há dimensões que permanecem inalteradas desde há muito. Felizmente, os alentejanos ainda conseguem transmitir-nos o extraordinário valor da simplicidade, descomplicando tudo o que nos parece mais difícil. Ainda com os motores acelerados da viagem do centro-norte começamos logo a perceber que ali, naquela imensidão de paz, a vida deve ser saboreada noutra velocidade. Os sinais são evidentes e claros como se aquela gente percebesse, através de uma intuição própria daquela geografia, que a malta que está a chegar precisa de relaxar. O grupo de viajantes vem apressado, cansado e com fome. Alguns ainda fazem os últimos telefonemos disto e daquilo, em acerto da contabilidade laboral, quando escutam uma voz de comando tão assertiva quanto ternurenta: aqui não servimos ninguém com pressa!!! Estou a avisar para depois não haver desentendimentos! O grupo repousa e relaxa. Vai entrando no lugar da merenda. Deixa-se levar pela fraternidade que o ambiente impõe. A sala está repleta de almas de norte a sul, mas naqueles momentos todos parecem ser da mesma família. E os donos da casa são os anfitriões que ligam e re-ligam as emoções e os afectos. Nota-se que estão felizes e a celebrar a cultura alentejana que lhes dá o chão. No meio daquele quadro que convoca sabores e odores surge, de forma quase genuína, uma voz jovem mas firme, qual expressão do cante alentejano que tem, nesta nova geração de vozes, o futuro claramente assegurado. No meio da sala sente-se o orgulho de um povo que canta, contando a sua história colectiva, entre trabalho duro e amores e desamores. Os acordes e a voz deste jovem entram-nos pela alma dentro. Arrepia-nos! Sentimo-nos envolvidos pelo manto de afectos que aquela gente teceu para nós, oferecendo-nos uma noite feliz. Entre brindes de todos os quadrantes da sala saiu um pelo voz do jovem que cantou e encantou: “um brinde à gente.” Há muito que não escutava uma expressão tão bonita! Precisamos de fazer muitos brindes à gente, aos que estão connosco e aos que se cruzam no caminho. Temos que brindar a todos, à gente! Afinal seguimos todos no mesmo caminho. Dali saímos iluminados e também de alma cheia. Na verdade as coisas melhores são as mais simples. Sim, sai de novo um brinde à gente para que o futuro aconteça mais devagar e também de forma mais genuína.

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