OPINIóN
Actualizado 31/07/2023 08:45:57
Miguel Nascimento

QUANDO A CARROÇA SEGUE VAZIA

Recordo e reflicto sobre uma história da antiguidade - atribuída a Esopo - que, entre outras coisas, tem uma actualidade impressionante: “Num certo dia, um pai convidou o filho para irem à Maratona, a Atenas, a pé. O filho aceitou com entusiasmo, e disse:

– Que bom! Meu querido pai, quem sabe se não vejo os ilustres sábios a discursarem na ágora de Atenas.

Em concordância puseram-se ao caminho. Depois de um certo tempo, pararam para descansar debaixo de frondosas árvores à beira de um riacho. Fartaram-se de beber água e descansaram sob as sombras ouvindo as melodias dos pássaros. Nesses instantes também se ouvia um barulho que vinha da estrada. O menino apurou os ouvidos e disse:

– Esse barulho deve ser de uma carroça.

– Isso mesmo, disse o pai do menino. É uma carroça vazia. Muito admirado o filho perguntou ao pai:

– Pai, como sabe que a carroça está vazia se ainda não a vimos?

O pai, de forma carinhosa, respondeu desta forma:

– Ora, é muito fácil saber se uma carroça está vazia por causa do barulho. Quanto mais vazia a carroça, maior é o barulho que ela faz.

Entretanto o menino foi crescendo. Tornou-se adulto. E quando via uma pessoa a falar demais, inoportuna, ou a intrometer-se nas conversas dos outros, tinha a impressão de ouvir a voz do pai dizendo:

– Quanto mais vazia a carroça, maior é o barulho.”

Ao recordarmos esta história simples da antiguidade todos conseguimos identificar as carroças que seguem vazias e que se cruzam com os caminhos da nossa vida; ou seja, encontramos muitas mentes vazias que justamente por não terem nada para dizer falam muito e de forma muito barulhenta. Falam e fazem-se notar em qualquer lado. Ouvem-se ao longe. Damos conta deles, mas percebemos que exibem monólogos vazios sem sentido ou significado. Julgam-se importantes e detentores de sabedoria quando, na verdade, são uns tolos e também uns angustiados. Fazem barulho. Percebe-se que vêm lá como a carroça que segue vazia. Não sabem escutar. Não se esforçam para aprender. Julgam-se no topo da montanha, esbracejando e falando muito e de forma audível a léguas. Mas não dizem nada. São mentes vazias que, como diz o provérbio popular, ocupam “as oficinas do diabo”. Uma carroça vazia não dá sustento a ninguém. E uma mente vazia é uma fonte de problemas para o próprio e para todos os que estão à sua volta. Ao contrário da humildade e silêncio dos sábios que sabem escutar nota-se cada vez mais a arrogância e o barulho das mentes vazias que falam muito sem dizerem nada. Sinal dos tempos? Talvez. Ou melhor, a carroça segue vazia porque temos vindo, paulatinamente, a deixar de trabalhar no conhecimento para a encher. Para que possa seguir viagem com mais riqueza de pensamento que alimente as cabeças que seguem no caminho. Mentes vazias fazem sociedades ocas, sem alma e absolutamente angustiadas. Saibamos parar a carroça para a carregarmos com sabedoria, fazendo-a seguir com menos ruído e com mais alimento para o corpo e para a alma. Já temos oficinas do diabo que cheguem. Precisamos agora de equilibrar as coisas, trabalhando para que as palavras tenham sentido e, sobretudo, que coincidam com a acção. O tempo é demasiado curto para o desperdiçarmos com carroças vazias e barulhentas.

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