OPINIóN
Actualizado 09/07/2023 10:20:14
Miguel Nascimento

A vida deixa as suas marcas em nós. Magoa-nos. Alegra-nos. Caminhamos entre luzes e sombras e também entre muitos estados de alma. No caminho, vamos coleccionando pedaços de momentos bons e outros menos bons. É isso que nos molda o carácter. É isso que nos faz ser o que o somos. A estrada é para andar. Temos que nos tornar leves, largando coisas que já não usamos. Temos que esquecer para encontramos espaço para novas coisas, novos pensamentos e nova atitudes. Como nos disse Immanuel Kant temos que nos “lembrar de esquecer”. Na verdade é preciso esquecermos muitas coisas que nos acontecem como se largássemos roupas velhas que já não nos servem ou estão gastas e deformadas pelo uso. É preciso largar, esquecer. Alias, Clarisse Lispector, na sua palavra sempre intensa e profunda referiu, a este propósito, que “o esquecimento das coisas é a minha válvula de escape. Esqueço muito por necessidade”. Às vezes, andamos amargurados com o que nos acontece. O nosso pensamento fica amarrado a isso. Pesa-nos. Não nos deixa seguir em frente. Tolhe-nos os movimentos. Não nos deixa abrir a porta da alegria. O passado nunca pode ser um peso. Tem que ser leve para existir na nossa memória. Por isso, como nos contou Miguel Unamuno, “é preciso esquecer para viver; a vida é esquecimento; cumpre abrir espaço para o que está por vir.” E para abraçarmos o futuro temos que esquecer muito do que está para trás, do que já passou, do que já não serve mas que pesa. O caminho do futuro não pode arrastar o passado e até o presente. Mesmo que tenham acontecido coisas que nos magoaram muito e que justamente reclamem vingança ou perdão. Aliás, este é um dos grandes dilemas da humanidade ao longo dos séculos. A vingança e o perdão são o tempero das atitudes dos homens e das mulheres que fizeram e fazem acontecer a história. O tempo que virá, por muito que isso nos custe, tem que estar livre de todas as amarras. É também por isso que Jorge Luís Borges não fala “de vingança nem de perdão, o esquecimento é a única vingança e o único perdão”. Na verdade o esquecimento por necessidade é uma boa metodologia para seguirmos em frente, abrindo e construindo novos caminhos, mais leves e soltos. Temos que nos lembrar de esquecer porque há uma estrada para andar e um caminho para continuar.

Etiquetas

Leer comentarios
  1. >SALAMANCArtv AL DÍA - Noticias de Salamanca
  2. >Opinión
  3. >O esquecimento como caminho