OPINIóN
Actualizado 30/01/2023 09:25:08
Miguel Nascimento

Antigamente o peixe chegava ao interior de Portugal através do comboio. Perante a ausência de autoestradas e outras acessibilidades de relevo, o Interior ficava ainda mais longe. O peixe chegava à geografia da interioridade em caixas de madeira acamadas num vagão do comboio que vinha em dias e horas mais ou menos certas. Na estação, os homens e mulheres das peixarias esperavam- no, sempre com grande ansiedade. Os atrasos eram muitos e constantes. Mas todos sabiam que chegava, mesmo que fosse tarde. Tinham essa certeza inabalável que gerava a confiança necessária para alimentar a espera. A partir da estação dos comboios a frase “o comboio do peixe chega tarde mas não falha” entranhou-se no quotidiano da comunidade pela comparação. Por isso, quando se dizia que alguém ou alguma entidade eram como o comboio do peixe isso significava que podiam demorar a pagar, mas pagavam. E isso também gerava confiança apesar do atraso. Nós nem sempre andamos à tabela. Nem sempre cumprimos os horários e os compromissos com exactidão e prontidão. Falhamos muito na nossa humana dimensão. Mas é muito importante que apesar das nossas falhas, inseguranças e hesitações não deixemos de chegar, como o comboio do peixe, a todos os que esperam por nós. Isso é verdadeiramente importante para nós e para os outros. Se cumprirmos o nosso compromisso, seja ele pequeno ou grande, também nós estaremos a cumprir pelo exemplo, mesmo que o façamos tarde. Devemos sempre chegar aos que sempre esperam por nós porque acreditam que chegaremos, mesmo que seja tarde, como o comboio do peixe. Não somos perfeitos. Nem devemos parecer perfeitos. Devemos parecer o que somos, assumindo por inteiro as nossas virtudes e defeitos. Para isso não precisamos de maquilhagens ou encenações. Precisamos apenas de partir para depois chegar, sobretudo para os que estão sempre à nossa espera. Tal como o comboio do peixe temos que gerar essa certeza e essa confiança que transmite a calma necessária para caminharmos no turbilhão dos dias, nas latitudes onde a incerteza reina. Às vezes as viagens demoram mais do que o previsto. Nem sempre podemos cumprir os horários. Nem sempre podemos cumprir com rigor o que prometemos. Há sempre imprevistos e variáveis que não controlamos. Mas a confiança que geramos nos outros, mesmo com todas as nossas limitações, vale sempre a espera do compromisso inabalável que estabelecemos connosco e com os que esperam por nós. Entre o partir e o chegar há sempre coração para entregar e um futuro para sonhar. E aos que esperam, aos que nos esperam entre as voltas do sol, prometeremos sempre chegar, como o comboio do peixe, mesmo que seja tarde. E esse é o nosso maior compromisso e também a nossa maior honra.

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