OPINIóN
Actualizado 10/12/2022 09:14:16
Miguel Nascimento

Há dias cruzei-me com um poema lindíssimo que agora me inspira nestas linhas que teço neste meu tear das palavras. Sigo as linhas do poema “camarim” e deixo-me transportar para a sempre fantástica comparação da nossa vida com o teatro, como de tudo fosse uma peça encenada. Não resgato os lugares comuns desta comparação recorrente. Vou directo para o camarim onde, fora das vistas de todos os espectadores, acontecem as metamorfoses que nos deliciam e nos fazem pensar. Na verdade, como diz o poema, “a gente finge que sabe amar mas não sabe. E ama como se encenasse peças de teatro e se declara como se o eu te amo fosse a única fala dessas peças.” Para lá do camarim feito poema estão as luzes do palco que iluminam todos os que fingem saber amar mas não sabem. A vida, qual reflexo das redes sociais, é um palco permanente onde tudo se mostra, até a intimidade. A maioria destes actores da vida real, que fingem saber amar mas não sabem, procura apenas mostrar aos outros como está feliz neste ou naquele momento. A própria comunidade é cada vez mais mediática, frenética e exigente. Não gosta de pensamentos mais profundos ou que se mostrem imagens de coisas menos boas, incómodas ou perturbadoras. O que importa é mostramos que temos sucesso mesmo que tudo seja um enorme fracasso. O que nos move é exibirmos a felicidade mesmo que ela seja um instante para a fotografia. Não queremos olhar-nos ao espelho porque não nos queremos ver quando estamos sós, fora do palco, sem maquilhagens ou máscaras. Não queremos ver nada de nós, do que verdadeiramente somos. Tal como os outros entramos nesta competição alucinada que atribui prémios aos campeões da felicidade e do amor, mesmo que sejam fingidores de uma arte que não têm. Quem publicar mais chegará mais à frente. Mas, entre muitas outras coisas, o amor não é nada disso. É como remata o poema, “um abraço que a gente se dá no camarim e quase ninguém vê.” Na verdade, o amor dos que sabem amar não precisa de publicidade. Vai literalmente de boca em boca e com a pele arrepiada de emoção. Não precisa de fotografias para os instantâneos da espuma dos dias. O amor dos que sabem amar fica guardado na memória dos que sabem sentir um abraço no camarim, longe do palco, onde quase ninguém vê o que acontece, muito menos o amor dos que não fingem que sabem amar. O poema camarim rola por aí no espaço público. Desconheço o seu autor. Ignorância minha. Mas agradeço a quem o escreveu porque ele é uma luz no escuro mesmo que só queira ficar com um abraço feito de amor nesse lugar discreto que é o camarim, verdadeira rectaguarda do palco da vida em que actuamos. Já agora, devo acrescentar que o tempo voa. Não há lugar para fingimentos. Amem-se muito, aprendam a amar. Abracem-se na quietude do camarim onde quase ninguém está a ver.

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