OPINIóN
Actualizado 07/08/2022 09:55:38
Miguel Nascimento

Nós devíamos ser como as flores do luar. Devíamos ser como as flores que desabrocham na noite sem que quase ninguém assista à sua extraordinária metamorfose. Rabindranath Tagore diz-nos, a este propósito, que “a noite abre as flores em silêncio e deixa que o dia receba os agradecimentos.” Mas nós não somos flores. Nem amanhecemos pela noite dentro. Acordamos no esplendor dos jardins, com o esplendor de todos os raios de sol, sempre à espera de sermos contemplados. Todos temos as cores da beleza e o perfume que lhes pertence. Todos merecemos o brilho do sol até sermos arrancados do caminho e depositados numa jarra qualquer para depois murcharmos, lentamente, para a eternidade de todas as memórias de nós e do nosso jardim. Tagore insiste connosco vincando o paralelismo da simplicidade que existe nas flores que a noite faz acontecer para que o dia as receba em agradecimento. Se seguirmos o perfume deste pensamento também nós poderemos fazer coisas na noite, no escuro, fora do brilho das luzes, para que outros sejam felizes com tudo o que fizemos sem precisarmos de agradecimentos. Podemos fazer sem dizer que fazemos. Podemos fazer como as flores que se abrem de noite para que o dia comece colorido e perfumado. Não precisamos de exibir nada nem anunciar o que fizemos com prazer. As flores do luar que desabrocham no silêncio de todas as penumbras perfumadas são sempre referências de esperança das manhãs que acontecem. Cada uma tem o seu lugar especial. E todas são a celebração do magistério da simplicidade e do encanto das coisas simples e discretas. O alvoroço da manhã faz parte de nós. É a nossa expressão da exuberância e de tudo o que nos entra pelo olhar. Os raios de sol amplificam a luz e a cor dos jardins em que estamos plantados. Mas foi durante o luar que muitas flores se foram abrindo paulatinamente, sem pressa, para que tudo amanhecesse no seu lugar e no tempo certo. Os jardins querem-se repletos de flores, de todas as cores, e de odores que nos estimulam as sensações e prazeres a que temos direito. O sol ilumina estas magníficas paletas de celebração da natureza. Mas à noite, na penumbra, longe de todos os olhares, a natureza discreta acontece com igual beleza e significado. Nós também devíamos ser assim, como as flores do luar, para chegarmos à verdadeira essência de fazer e dar, sem esperar agradecimentos nem cultivar ilusões. Se a vida correr assim como as flores que se abrem em silêncio seremos abençoados e não precisaremos de palcos para exibir a nossa felicidade porque ela existe dentro nós.

Etiquetas

Leer comentarios
  1. >SALAMANCArtv AL DÍA - Noticias de Salamanca
  2. >Opinión
  3. >As flores do luar