Há dias, enquanto percorria a pé um território de afectos, encontrei estas palavras juntas desenhadas na parede. Fitei-as com atenção. Deixei que entrassem em mim:
“Venne creato il mare, cosi oscuro e profondo, affinchè ogni vascello, potesse navigarlo”.
Desconheço o seu autor. Não sei se é famoso ou se esta mensagem foi escrita com o coração de um simples apaixonado pela vida. O italiano tem quase sempre uma conotação romântica que nos embala entre jardins perfumados. Deixei-me levar nesta onda de liberdade e abracei estas palavras como se fossem minhas na medida em que são de todos. O mar é uma geografia de imensa liberdade. É escuro e profundo para que todos os navios possam navegar nele. E “navigare necesse, vivere non est necesse”, com disse o general romano Pompeu (no século I a.c.), procurando estimular os marinheiros receosos por enfrentarem as águas bravas. Esta expressão foi transformada (no século XIV) pelo poeta italiano Petrarca para:“navegar é preciso, viver não é preciso”. As vidas de muitos são cumpridas sem navegação, sem aventura. Sem medos e inseguranças. Sem sobressaltos. Por isso viver sem navegar não é viver. É cumprir um caminho, sobreviver. Fernando Pessoa assumiu para si o espírito da frase. Para ele o tempo foi de navegação, dedicando o seu sentido de vida à criação. Navegou nas águas que estão à disposição de todos, nesse mar escuro e profundo. Nem todos ousam. Nem todos se atrevem. Navegar não é fácil, sobretudo em mares revoltos. Mas navegar é preciso porque navegar é viver, verdadeiramente. Talvez por isso Vincent van Gogh tenha afirmado que “ o coração do homem é muito parecido com o mar, ele tem as suas tempestades, suas marés e suas profundezas; ele tem também as suas pérolas.” Nada é fácil. O nosso barco tem fragilidades, inseguranças … e vontades. O mar, escuro e profundo, chama-nos. Temos que navegar nele. Sim, navegar é preciso.