OPINIóN
Actualizado 26/09/2021
Miguel Nascimento

"Acerca tu boca a mis cenizas. Sopla. De ti depende el renacer de las llamas." Alejando Jodorowsky

Às vezes parece que a viagem chegou ao fim. O limite da linha diz-nos que não há mais horizonte. Entretanto, o fogo da lareira extinguiu-se. Já não há lume, nem calor. Agora está tudo cinzento. Não há esperança. Não há luz nem aconchego. O caminho não se vê. Está tudo cinzento e repleto de neblina densa. Para lá do pouco que se vislumbra em dificuldade tudo nos parece pouco definido, instável e inseguro, como se o chão adiante nos parecesse a pátria das trevas e da escuridão. A madrugada ainda vem longe. Por agora a noite reina, sem um clarão que se veja. Mergulhamos nos nossos sentimentos profundos e recolhemo-nos na nossa intimidade. O fogo da lareira extinguiu-se. Contemplamo-la como se não houvesse mais nada a fazer. O frio vai-se instalando, entrando nos ossos. Ficamos imóveis. Parados. Sem reacção. Mas, de dentro de nós vem uma voz firme, resiliente, que deseja caminhos de luz e de esperança. Ao ouvido chegam as palavras doces e ao mesmo tempo inquietas de Alejandro Jodorowsky que soletradas em castelhano ganham outra sonoridade e acerto: "Acerca tu boca a mis cenizas. Sopla. De ti depende el renacer de las llamas." Sim, Alejandro! Tudo depende de nós e da nossa vontade inquebrantável de não deixarmos que a chama, seja ela qual for, se extinga. O fogo de nós não se pode apagar para continuarmos em frente, em direcção ao futuro. Precisamos muito do outro, dos outros que seguem connosco, e de todas as bocas de amor que se encostam a nós e nos sopram brisas doces e vontade de fazer tudo o que devemos fazer. Fazendo justiça a Jodorowsky, a solidão é uma boa companhia que acontece em sossego, num recanto qualquer da nossa privacidade. Mas o sopro, o sopro da boca que faz renascer as chamas no meio de todas as cinzas, significa que a esperança nunca morre mesmo que pareça. Há sempre caminho, ainda que no meio da escuridão. E as trevas existem para serem atravessadas. Precisamos da nossa coragem e do estímulo dos que nos são próximos para seguirmos em frente, no caminho, em direcção às madrugadas claras e expurgadas da hipocrisia cinzenta que procura apagar todas as chamas que ardem de amor, de amizade e lealdade. A viagem só chega ao fim se deixarmos de sonhar. Só chega ao fim se deixarmos de tentar ultrapassar a geografia que está para além do muro que, por agora, parece intransponível. A vida segue para além dos muros que parecem intransponíveis e das cinzas sem chama, aparentemente sem vida. Tudo depende de nós e da nossa vontade de soprar. Quando tudo parece perdido temos que ter a paixão necessária para voltarmos a soprar, lentamente, para que as chamas renasçam. E com a paciência que sempre embrulha o amor voltaremos a abraçar no brilho e no calor de todas as chamas que dão luz ao caminho. Sopra e não te canses. Não percas a esperança que a madrugada chegará. O caminho afinal depende de ti e de nós.

Leer comentarios
  1. >SALAMANCArtv AL DÍA - Noticias de Salamanca
  2. >Opinión
  3. >Segue em frente no caminho!