OPINIóN
Actualizado 20/09/2020
Miguel Nascimento

O título que dá nome a este breve texto parece encerrar em si uma grande contradição. A fé não se explica. Sente-se. Assume-me. Percorre-se! A razão precisa de todas as confirmações e experimentações. Há muito que me habituei a percorrer as duas geografias. Nem sempre é fácil alimentar esta convivência que me enriquece por dentro e que alimenta a luz do caminho. A minha fé não se explica. Sempre me deixei levar por ela ao mesmo tempo que mergulhei no estudo de múltiplos temas que, a cada ciclo, me foram entusiasmando e estimulando. Sou dogmático na medida em que professo a minha fé, mais intimista que outra coisa qualquer, na santa igreja católica apostólica romana. Apesar disso e resvalando para uma aparente nova contradição, sou apologista do diálogo ecuménico e da comunhão de valores que as diversas religiões professam. Não há religiões boas ou más. Não há religiões de primeira ou de segunda. Há espaços sagrados que cada um de nós percorre com o coração, acreditando que é ali, naquele caminho espiritual, que nos encontramos connosco e com os outros. Assumo a minha condição de cristão e de católico. Mas a fé não é uma linha constante. Somos humanos e nesse sentido a nossa fé também tem arritmias, dúvidas e, acima de tudo, muitas interrogações. A vida é como é, e a fé, a nossa e a dos outros, atravessa-a por inteiro. Cada um de nós tem a sua espiritualidade e, quase sempre, mão na escolha do caminho. Vamos para onde quisermos ir ou para onde nos levarem se nos sentirmos fracos ou desejosos de encontrar saídas para muros intransponíveis. A religião é um caleidoscópio que, com apenas uma entrada ocular, nos oferece muitas imagens para escolhermos sobre a mesma base de realidade. É por isso que não devemos ser radicais em coisa nenhuma e muito menos na religião. A minha fé sempre percorreu esse caminho, nem sempre a direito e muito menos em sentido ascendente. Tenho convicções profundas e convivo bem com o meu sentido de espiritualidade, qual casa de portas e janelas abertas que deixam, constantemente, entrar a aragem da liberdade e dos tempos ecuménicos da renovação. O título deste pequeno texto é também uma dádiva de um grande amigo que um dia me indicou o caminho do meio, através de uma magnífica leitura das ideias e práticas de Dalai Lama, cuja revisitação acontece sempre que o tempo me permite. O caminho do meio é, acima de tudo, uma fé ancorada na razão. Por isso e por muitas outras razões essa leitura é obrigatória sempre que é necessário construir novas pontes e promover equilíbrios onde eles forem mais exigidos para alcançarmos a paz. Há dias, folheando as páginas do caminho do meio, de trás apara a frente, dei-me conta da importância das palavras que, com o seu punho, esse meu amigo acrescentou à obra: "talvez seja no equilíbrio, no caminho do meio, que encontramos a nossa paz e o nosso sossego espiritual. Estando bem connosco, estaremos bem com os outros. Essa procura de equilíbrio, da liberdade, do absoluto, do infinito é o desassossego constante que nos deve tornar melhores seres humanos para os outros e com os outros." Ora, é precisamente aqui, na valorização das páginas deste livro com as palavras que este meu amigo lhe emprestou que sigo caminho com a minha fé ancorada na razão e, sobretudo, no afecto dos que nos são próximos ao ponto de fazerem a viagem connosco mesmo que, aparentemente, se encontrem fisicamente mais distantes.

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