A imagem do Papa, vestido de branco, praticamente sozinho, na escura Praça de S. Pedro no Vaticano é muito poderosa e repleta de simbolismo. Mais do que contemplarmos esta bela imagem devemos reflectir sobre o que ela pode significar nos tempos que agora correm devagar mas com a força de tsunami que arrasta muita dor, sofrimento e morte. Em silêncio o Papa Francisco reza certamente por nós, pelos que partiram, pela humanidade, pela solução para esta pandemia... Na quietude, o sucessor de S. Pedro dá-nos o exemplo. Pede-nos que saibamos escutar o nosso coração. Nós também estamos sozinhos. Cada um à sua maneira. Cada um no seu recolhimento. Cada um com os seus problemas e com a sua via-sacra. A praça maior do Vaticano está vazia, despida de gente e de alegria. A azáfama de outrora esfumou-se. Não há enchentes. Há vazios. O manto de silêncio foi lançado em todo o lado. Nesta Semana Santa as procissões não saíram às ruas. Não sentimos o cheiro a velas queimadas nem as sonoridades deste tempo próprio. Desta vez, as flores e colchas não se alcandoraram nas varandas. Nem o povo saiu à rua para ver a procissão que não ia passar. O lado mais visível e partilhado da Semana Santa também se esfumou. O ritual da recriação da espiritualidade não se repetiu. Desta vez, os Santos ficaram em casa. E as pessoas também. Ficou o vazio que preencheu as ruas cheias de nada. Entre paredes celebrámos a Páscoa sem abraços, beijos afectos. Chorámos os nossos mortos como pudemos. Muitos foram sem que se pudessem despedir. É o luto que também se esvai na bruma da de todos as angústias. Questionamo-nos sobre a nossa incapacidade para resolvermos este problema pandémico que nos caiu em cima. Fazemos o que podemos para lhe resistir, pelo que ficamos em casa para não complicarmos mais a vida aos que na linha da frente deste combate, nos hospitais, tentam ganhar tempo e salvar vidas. Engolimos as imagens que a toda a hora entram nas nossas geografias de confinamento. Arregalamos os olhos em sinal de aflição perante os números dos mortos e dos infectados na europa e no mundo. A inquietação apodera-se de nós. Ao pensarmos no futuro não podemos deixar de tocar nas teclas do pessimismo e da instabilidade. Perguntamo-nos vezes sem conta: o que será de nós? Procuramos dominar a nossa ansiedade. De forma egoísta falamos do nosso tédio e lamentamos o facto de não podermos fazer grandes festas e de não termos assistido às procissões. Parece que sem tudo a que fomos habituados a Páscoa não é a mesma coisa. O nosso queixume é um nada comparado com a coragem de todos os que arriscam a vida para que todos tenhamos futuro. Nesse sentido, o nosso tempo de isolamento é também uma oportunidade para agarrarmos com as duas mãos. A reflexão deve preencher os nossos dias começando por percorrer a via-sacra do nosso caminho, revisitando todas as nossas cruzes e também todos os nossos comportamentos. É tempo de cumprirmos a Páscoa verdadeira, a da intimidade e do pensamento mais profundo e cristalino. Se aproveitarmos o tempo que temos à nossa disposição podemos viajar pelas veredas da nossa interioridade para aí encontramos o verdadeiro sentido do caminho para também nós ressuscitarmos dos mortos-vivos em que nos transformamos conferindo valor ao que não tem e venerando o império do materialismo. Agora, com menos, necessitamos também de menos. E o menos será mais se soubermos redirecionar-nos para um caminho novo, com o coração mais puro e mais disponível para valorizarmos o que deve ser valorizado e tudo o que fica sempre connosco mesmo que não tenhamos nada. Esta Semana Santa em que as procissões não saíram pode, num determinado sentido, ser a mais importante de todas na medida em que ela nos obrigou a parar para à força nos fazer reflectir sobre tudo o que está a acontecer à nossa volta. Este tempo de praças e ruas vazias deve ser preenchido com os afectos da alma para, quando chegar o dia da libertação, podermos apreciar tudo de forma diferente e caminharmos por onde nunca fomos. Regresso à Praça de S. Pedro, para voltar a captar a imagem do Papa que carrega a cruz da humanidade, pedindo-nos que todos os silêncios tenham a força da construção da luz de todos os amanhãs que virão.