Ao longo da minha vida, devido a razões de natureza pessoal, académica e profissional, conheci muitos espanhóis e firmei diversas amizades que perduram no tempo até aos dias de hoje. Para mim Espanha é, desde há muito, uma geografia de afectos, um espaço de imaginários e um horizonte de sonhos cumpridos e por cumprir. Quem me conhece sabe que não me sinto estrangeiro neste território. Ali ao lado, do outro lado da fronteira, sinto-me em casa e em grande conforto afectivo e emocional. Sendo um português que tem orgulho no seu país, na pátria lusa, cedo compreendi a importância da cooperação entre Portugal e Espanha, com particular ênfase para as relações, a diversos níveis, nas zonas de fronteira. Neste sentido, há muito que insisto na importância da cooperação transfronteiriça e na realização de projectos que envolvam os cidadãos desta grande ibéria que pode ser muito mais do que um gigante adormecido. Desenhei este enquadramento pessoal apenas para confessar o que vai no meu coração e, ao mesmo tempo, dizer-vos que num dos projectos culturais em que tenho a honra e o prazer de participar, em conjunto com gente extraordinária dos dois lados da fronteira, enviamos e damos sempre um "abraço ibérico" a todos, em formato de saudação e cumprimento. Enviamos e damos muitos abraços ibéricos apertados, sentidos e desejados. Agora, esses abraços são virtuais por causa da pandemia do Covid 19. Agora, apesar de estarmos perto, já não nos juntamos, por causa do vírus. Agora, já não nos vemos tantas vezes porque as iniciativas, feiras e festivais das artes do espectáculo foram cancelados devido a esta peste que veio baralhar as nossas vidas. Neste sentido, onde havia gargalhadas há agora silêncios e onde havia alegrias há agora uma imensa tristeza. Não existem espectáculos, nem tudo o que os envolve. Os profissionais da cultura não podem ganhar o pão que precisam de colocar na mesa. Estão ansiosos, nervosos e preocupados pelo seu futuro. Olham para o caminho e não encontram respostas para tantas perguntas. Não sabem como alinhar os dias que correm no meio de tantas incertezas, apesar dos sinais de esperança que vão surgindo no horizonte. E isso acontece em Espanha e em Portugal. Porém, agora é que é preciso o verdadeiro abraço ibérico. Agora é que temos de nos juntar ainda com mais força, mais determinação e entusiasmo. Para já, não podemos. Não nos podemos juntar. Temos que ficar em casa e manter o distanciamento social. Para já, temos que ajudar a conter esta pandemia e assumir as nossas responsabilidades individuais e colectivas. Este é o tempo de chorarmos os mortos e todos os que tombam por causa deste vírus terrível. Este é o tempo de sermos solidários e, acima de tudo, de agradecermos, de forma profunda e sentida, aos profissionais de saúde que cuidam de nós até à exaustão. Este é o tempo de agradecermos a todos os que trabalham incansavelmente em diversas frentes para tentarem conter e debelar esta pandemia que nos atingiu de forma violenta. Este é o tempo de unirmos esforços na Europa e no Mundo para sairmos desta enorme dificuldade. Os próximos tempos serão muito duros e difíceis. Por isso, temos que ser ainda mais fortes do que fomos antes quando fintámos tantos destinos negros que foram acontecendo ao longo de muitas jornadas individuais e colectivas. Temos que resistir agora para nos abraçarmos depois e para voltarmos a abrir os espaços culturais e encher as ruas de gente. Aí, quando a Primavera deixar de ser cinzenta e o sol do Verão entrar de novo nas nossas vidas, talvez possamos recuperar muito do que foi perdido e, ao mesmo tempo, chorar os mortos que agora não pudemos chorar. Talvez nada seja igual ao que já foi. Talvez venha aí um tempo novo que nos faça andar mais devagar e dar mais valor à vida, sobretudo ao que fazemos com ela. Nesse tempo novo espero e desejo dar um abraço ibérico apertado a todos os que fazem - e continuarão fazer - pela cultura e pelas artes do espectáculo em Portugal e Espanha. Nestes dias cinzentos precisamos de resistir em nome da humanidade. Temos que ficar em casa e agradecer muitas vezes a quem cuida e continuará a cuidar de nós. Quando esta tempestade passar - e ela vai passar - voltaremos a estar juntos, portugueses e espanhóis, para um abraço ibérico ainda mais intenso que fará brilhar o sol por jornadas de alegria sem fim!