OPINIóN
Actualizado 24/11/2019
Miguel Nascimento

Passamos demasiado tempo no mesmo lugar. Desgastamo-nos em circuitos fechados, monótonos e sem interesse. Repetimos coisas, gestos e palavras. Celebramos os rituais da melancolia sem reflectimos sobre o que estamos a fazer. Cumprimos o que devemos cumprir sem questionar. É assim há muito e nós fazemos igual. Repetimos o que outros antes nós fizeram. Parecemos agrilhoados ao chão. Os pés pesam-nos. E o peso das coisas, do contexto e, sobretudo, o olhar dos outros, fazem-nos curvados e cabisbaixos. Não ousamos levantar o sobrolho para não parecer que nos desviamos do carreiro. Não ousamos voar e muito menos viajar para longe. Na quietude dos lugares mais recônditos sonhamos com viagens alucinantes e aventuras sem fim. Mas por pouco tempo. Temos medo da nossa demora nas geografias do prazer. Não vá alguém escutar os nossos pensamentos mais íntimos e a nossa vontade de sair da rede que nos envolve há muito. Como não vamos não somos. Não nos transformamos em nós. Não diversificamos para nos construirmos e para nos metamorfosearmos em nós, regando a liberdade que nos faz voar para todas as geografias. Não ousamos romper o silêncio e muito menos o colete-de-forças que nos impede de gritar e libertar sons e palavras aos quatro ventos. Sonhamos, na intimidade, com viagens que nunca serão feitas. Talvez um dia possamos ir?dizemos com voz trémula e pouco crente. Apesar de termos vontade de ir o medo impede-nos de seguir em frente. Talvez tenhamos receio de nos transformarmos naquilo que há muito devíamos ser. Secretamente, sabemos que a viagem mudará a nossa pele, o nosso cheiro e também a nossa percepção das coisas, dos lugares e das pessoas. Por isso, precisamos de sair do casulo, deixando que as veredas e as tempestades do mundo construam a nossa liberdade. Precisamos do tempo de todas as geografias para sentirmos os toques diferenciados de todas as formas de pensar. Precisamos de ver o sol, o mar e as montanhas. Precisamos de todos os ruídos e também de todos os silêncios e em particular dos nossos. Precisamos da viagem para saltarmos o muro que nos tolhe os movimentos. Se a ousarmos fazer nunca desistiremos de nós e nunca deixaremos de ser quem somos, apesar de nunca sabermos o resultado final da obra que o tempo e o espaço esculpirão em nós. Às vezes, nesta nossa temeridade, olhamo-nos ao espelho e dizemos que agora já é tarde. Não, nunca é tarde para empreendermos o que temos que empreender. Nunca é tarde para sairmos do nosso lugar e procurarmos a liberdade de todas as paragens que nos moldarão como mãos em barro. Precisamos de sair do silêncio em que mergulhámos para nos esgotarmos em conversas e consumirmos todas as palavras até ao fim. Precisamos de sentir o vento fora das muralhas invisíveis que fomos construindo em nós. Às vezes, não precisamos de ir para muito longe. Basta que tenhamos a coragem de sair, sem destino marcado, para deixarmos que o cosmos se alinhe em nós e nos aponte o caminho do futuro, mesmo que seja uma infindável sucessão de curvas sinuosas. A viagem não faz parar o tempo que corre em direcção a todos os amanhãs. Mas, retarda o passo e estimula os sabores de tudo o que podemos experimentar para sermos mais e não menos. A viagem tem a magia de nos trazer a felicidade que nos escapa quando não queremos sair do mesmo lugar porque temos medo de nós. É tempo de abrirmos a porta e de soltarmos as amarras que nos ligam ao cais. O vento sopra e as velas desfraldam-se à espera que a magia aconteça. Sigamos as estrelas para encontramos o bom caminho.

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