OPINIóN
Actualizado 10/11/2019
Miguel Nascimento

O "diz que disse", o falar disto e daquilo, é uma coisa associada às aldeias, às pequenas localidades e aos lugares de pequena dimensão. Os lugares de pequena dimensão como são pequenos e têm pouca gente são espaços com predisposição para o comentário sobre o que se passa numa comunidade de grande intimidade e proximidade onde todos se conhecem. Ali, naqueles lugares de paredes meias, todos sabem quase tudo sobre todos. O segredo é um conceito raro, quase inexistente. Os segredos que existem estão guardados a sete chaves. E quando algo foge da norma e das convenções ancestralmente estabelecidas há lugar a comentários e, naturalmente, ao "diz que disse". Nestes lugares de proximidade fala-se de tudo e de todos, com e sem propriedade. Acerta-se ou não na crítica. Inventa-se e alimentam-se todas as invejas. Espantam-se as angústias e todas as frustrações falando dos outros, da vida dos outros, do que lhes acontece e, sobretudo, do que não lhes acontece. Porém, nos lugares pequenos e das pequenas aldeias também mora a solidariedade e a entreajuda. Quando alguém precisa a comunidade diz presente. Os que ontem criticaram não se sabe o quê são os primeiros a ajudar no que for preciso. Ou seja, a comunidade íntima das pequenas geografias funciona, com todas as suas humanas imperfeições, com a lógica do coração e da solidariedade. Porém o "diz que disse", associado às aldeias e aos pequenos lugares é, cada vez mais, uma característica da solidão que afecta as grandes cidades e os grandes aglomerados populacionais que, apesar de contarem com muita gente, são lugares de absoluta solidão e desespero. São geografias da indiferença e lugares sem raízes nem afectos. O "diz que disse", característica dos pequenos lugares e das pequenas aldeias, ganha, nas cidades, uma amplificação enorme. Assume proporções gigantes na medida em que é alimentada pelas redes sociais e pelas plataformas de comunicação. Mas, ao contrário das pequenas comunidades a solidariedade é praticamente inexistente. O "diz que disse" transforma-se numa espécie de passatempo para acomodar a solidão e as vidas que não são vividas. Em desespero assumem-se falsos moralismos e atiram-se, à toa, as primeiras pedras a tudo e a todos. Nessa destilaria de veneno que dá caminho ao "diz que disse" os vigilantes da moral e dos bons costumes escondem-se atrás de todos os arbustos que podem para poderem vigiar a vida dos outros, abdicando de viver as suas próprias vidas. Entretanto, nos pequenos e nos grandes lugares, a terra move-se, a civilização avança e o tempo não volta para trás. Por isso, o "diz que disse", sendo uma realidade interessante a estudar, não passa, na verdade, de uma caixa vazia que está disponível para ser ocupada por gente oca por dentro que abdica da sua própria vida para viver na ilusão da vida dos outros. O tempo é um bem escasso. E a vida é um bem extraordinário que não deve ser desperdiçado. Neste sentido, todos os minutos que se perderem nessa confraria "do diz que disse" são minutos a menos de uma vida plena que deve ser vivida na verdade do caminho e não na ilusão da vida dos outros.

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