OPINIóN
Actualizado 03/11/2019
Miguel Nascimento

Às vezes, a esperança fica curta. Às vezes, as coisas não acontecem com esperamos e desejamos. Às vezes, a esperança fica amargada com o peso das coisas e das suas circunstâncias. Às vezes, acontece tanta coisa, precisamente ao contrário do que desejamos. A vida é feita de encontros e desencontros. Sobretudo de desencontros que nos atiram para além da rota dos desejos. A geometria da disparidade acontece quando desejamos apenas que a normalidade aconteça. E quando, apesar da insistência dos desejos, das preces e de tudo o que se possa imaginar, ela, a normalidade, não acontece, ficamos dilacerados, abatidos e com o sentimento, puro e duro, da verdade que nos amarga a boca e o coração. A esperança esvai-se num instante. São as realidades do futuro que a matam. Depois, invade-nos um sentimento de frustração, de impotência e desalento. Tombados pela força do destino erguemo-nos a muito custo. Em pé e absolutamente debilitados pela força do que acontece questionamo-nos se vale a pena continuarmos a caminhada. Encontramo-nos sem forças e quase sem circunstâncias. O caminho é longo. Sem energias que nos segurem em pé desejamos ficar por aqui, apodrecer ao sol para que os abutres acabem connosco de vez! Encontramo-nos num beco sem saída. A luz do caminho diminui. De repente, tudo fica mais sombrio e gélido. O sol é apenas uma miragem que aparece no longínquo horizonte e através de uma fotografia imperceptível e desfigurada. Este sentimento é, verdadeiramente, uma tradução, nua e crua, da esperança amargurada. É a visão do caminho finito e do beco sem saída. Porém, enquanto limpamos as lágrimas que nos caem do rosto somos iluminados pela luz que nos aquece o coração. Sentimos que é preciso aguentar com firmeza as partidas que o destino nos preparou. Afinal, o caminho que nos conduz ao beco sem saída tem uma passagem secreta. Ela não existe. Não se apresenta diante dos nossos olhos. Amargurados, tristes e derrotados pela força dos acontecimentos recentes não conseguimos vislumbrar para além do lençol de lágrimas que entretanto construímos. O nevoeiro adensa-se. O manto escuro envolve-nos mas não nos mata nem nos faz baixar a temperatura. Apesar de tudo, a frieza está menos fria. Indica-nos que há caminho para além das portas fechadas e dos muros largos. É tempo de escutarmos, de novo, o nosso coração para conseguirmos desenhar portas e saídas onde elas não existem. Apesar de tudo não podemos perder a nossa fé! Não podemos perder a fé que depositamos em nós e em todos os que nos acompanham no caminho. Os deuses apenas reforçarão a nossa condição se acreditarmos que é possível desenharmos portas e saídas onde elas não existem. Se acreditarmos que conseguimos fazer, fazemos. Se acreditarmos que conseguimos desenhar portas e saídas onde elas não existem, desenhamos. Se acreditarmos que conseguimos desamargar a esperança, conseguimos seguir em frente. Se acreditarmos em nós podemos tudo, mesmo no que está para além da nossa imaginação e da nossa capacidade de entendimento. Às vezes, precisamos de pensar menos e fazer mais. Às vezes, precisamos de calcular menos e avançar mais. Quase sempre precisamos de superar sem pestanejar. Esse é o segredo. Essa é a nossa íntima e extraordinária capacidade de desenharmos portas e saídas onde elas não existem. Essa é a nossa fantástica capacidade de desamargarmos a esperança. Vamos a isso, com a força toda!

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