OPINIóN
Actualizado 18/08/2019
Miguel Nascimento

Quando passam por nós muitas estações do ano deixamos de ser imortais. Passamos a integrar a finitude do tempo. Abeiramo-nos do fim que julgávamos não existir. Olhamos para trás de outra maneira. Sabemos que o tempo que aí vem é certamente menor do que o tempo que nos trouxe até aqui. Perdemos o encanto da imortalidade da nossa juventude. Temos saudades da nossa coragem e de corrermos sempre no fio-da-navalha. Noutro tempo, demasiado longínquo, corríamos para o precipício sem medo e sem pensarmos em mais nada para além do prazer do instante, da queda livre e da extraordinária adrenalina que nos percorria a pele. A morte era um conceito ausente. Ninguém morria. Éramos muito jovens para morrer. Éramos fortes e, por isso, só tínhamos que demonstrar a nossa coragem entrando em brincadeiras demasiado intensas e aceleradas, como se de uma guerra pelo domínio tribal se tratasse. O tempo corria então devagar apesar de clamarmos para que avançasse mais depressa. Queríamos ser adultos quase por impulso. Reclamávamos a nossa autonomia para não recebermos ordens e proibições de ninguém. Essa condição demorava a chegar. Tínhamos pouca paciência para esperar. Entretanto, éramos imortais em jogos sem fim, repletos de cumplicidades e amizades que se forjavam na partilha de um caminho repleto de sol e de poucas preocupações. A nossa juventude parecia um rio que corria mais pela emoção do que pela razão. O que sobrava em coração faltava em racionalidade. A cabeça andava sempre perdida, de amores e de todas as outras coisas que nos fazem perder a cabeça. Vivíamos depressa. Desejávamos viver tudo depressa como se não houvesse amanhã. Sugávamos tudo até à última gota. Os dias, principalmente os de verão, eram longos e preenchidos com mil e uma coisas. De manhã à noite éramos imortais. Não tínhamos noção do perigo e dos perigos em que nos metíamos pelo doce sabor de uma pequena aventura. Éramos imortais. Vivíamos felizes na nossa absoluta inocência que o tempo e o caminho nos foram roubando aos poucos. Afinal tudo passou num instante. Agora somos mortais. Temos menos coragem e mais racionalidade. Abrandamos a emoção para a equilibrarmos com a razão. Olhamos para trás e fazemos contas à vida. Gostávamos de ter feito isto e aquilo. Provavelmente não teríamos feito muitas das coisas que fizemos. Agora que somos mortais e não podemos fazer o tempo recuar, olhamos para trás com saudade mas sem arrependimentos de termos vivido ao máximo em função das nossas circunstâncias. De vez em quando a nostalgia povoa-nos os pensamentos e resgatamos as memórias que estão gravadas sob a nossa pele. Enchemo-nos de prazer na recordação do tempo que passou mas não nos podemos demorar aí. Agora que somos mortais e sabendo que o caminho da finitude é mais estreito, temos que aproveitar melhor os dias que passam. Nada poderá ser como foi. Mas tudo poderá ser como quisermos. Há uma vida para viver e um imenso prazer para resgatar e semear. Damos passos mais ténues do que no passado, mas são mais firmes e coesos. Não hesitamos tanto. Vamos directos aos assuntos. Temos menos pressa. Mas somos mais objectivos. Gerimos melhor as coisas apesar de continuarmos a aprender com as lições que a vida nos continua a proporcionar. Continuamos a errar. Mas erramos menos porque corremos menos. Agora que já não somos imortais importamo-nos mais connosco e com os outros. Somos mais solidários e procuramos o conforto da comunidade sem esquecermos a individualidade do nosso prazer. Continuamos egoístas, mas só um bocadinho. Agora que somos mortais já não temos pressa que o jogo acabe. Mas também por isso temos que o saber jogar melhor para vivermos mais felizes, pelo menos até ao apito final!

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