As palavras têm um tempo. Têm um som. São oportunas ou não. Mexem connosco. Dizem-nos coisas. Sussurram-nos ao ouvido. Deixam-nos em silêncio. Às vezes, deixam-nos incrédulos. Outras vezes, estimulam-nos! Fazem-nos andar para a frente. Deitam-nos por terra! Levantam-nos! Gritam-nos coisas. Falam de mansinho. Sopram-nos poemas. Escrutinam-nos! Puxam pela nossa revolta! No fundo, as palavras, fazem de nós o que, verdadeiramente, somos! Pela palavra dita e pela palavra não dita! E também pela palavra maldita! As palavras revelam-nos. Escondem-nos. Denunciam-nos, no bom e no mau sentido. Também somos feitos de silêncios! Mas até aí as palavras falam connosco e com os outros. As palavras têm vida própria! Nos silêncios aprendemos a escutar, a observar e a ponderar. Mas temos sempre sede de usar as palavras. Nem sempre bem. Nem sempre mal. As palavras são o que são. Nós, somos o que somos. Com ou sem palavras. Mas no silêncio também dizemos coisas. Também falamos! Também comunicamos! Por vezes, falamos muito e não dizemos nada, ou praticamente nada. Outras vezes, falamos pouco e dizemos muito. As palavras são como a vida. Têm altos e baixos. São irrequietas e encabritadas como dizia o poeta Eugénio de Andrade. A escrita das coisas da vida, dos poemas e de outras narrativas, estabelece uma relação íntima com as palavras; aproxima quem escreve às palavras que são desenhadas e ganham vida própria. Depois de escritas, as palavras seguem o seu caminho. Têm o seu tempo caleidoscópico na medida em que são observadas por múltiplos olhares e interpretadas por diversas perspectivas e muitas outras cogitações. As palavras são palavras. Obedecem-nos ou não. São-nos fiéis ou não. Mas, em qualquer caso, são palavras nossas. Temos-lhes amor. Amamo-las! São parte de nós, mesmo que se tornem independentes e sigam ao seu caminho. Temos apenas uma certeza, as palavras que escrevemos em determinado momento foram geradas com amor, como de se filhas e filhos se tratassem. É também por isso, pelo amor que sempre lhes teremos, que temos que as deixar ir, ao encontro do seu caminho, para seguirem a sua viagem. Num determinado tempo o poeta Eugénio de Andrade escreveu um poema lindíssimo (entre muito outros) que retrata o momento da separação, ou da tentativa de separação, entre as palavras e o seu mestre autor. O poeta do sorriso, do Fundão, do Porto e de todos os lugares, desenhou um poema no seu chão, no seu lugar de afectos, a que deu o nome de "agora as palavras". Nesse conjunto harmonioso de palavras juntas deu-lhes vida. Compreendeu que elas tinham vida própria mas não deixou de se revoltar com a sua autonomia, apesar de terem sido escritas com um amor incomensurável. O poeta Eugénio de Andrade sofria ao escrever as palavras que, por sua vez, ganhavam, paulatinamente, autonomia, à medida, digo eu, que a pena do mestre envelhecia: "obedecem-me agora muito menos, as palavras. A propósito de tudo e de nada resmungam, não fazem o que lhes digo, não respeitam a minha idade." Mas o poeta, apesar do lamento, dizia que gostava delas e que "nunca tive outra paixão, e elas durante muitos anos também gostaram de mim: dançavam à minha roda quando as encontrava. Com elas fazia o lume, sustentava os meus dias." Quem assim escreve merece que as palavras perdurem no tempo para virem sempre beijar as mãos do seu criador que tanto as amava mesmo que fossem "ariscas" e se "escapassem por entre as mãos." É também por isso que não deixo de citar este poema do mestre e de cruzar as palavras com a vida. Uma reflexão que todos devemos fazer em todas as palavras ditas e escritas e também no meio de todos os silêncios.