OPINIóN
Actualizado 30/09/2018
Marco A. Hierro

Há dias, pela manhã, tomava café e contemplava a serra da Gardunha. Um momento simples, rotineiro, mas que faz parte da seiva que alimenta o meu caminho. Entre o café e a serra o meu olhar pousou, de forma espontânea, sobre a toalha da mesa, uma autêntica manta de azulejos portugueses, em tons de azul como o mar que tantas vezes nos abraça. Um desses bonitos azulejos exibia a seguinte frase: as melhores coisas da vida? não são coisas. Foi aí que comecei a pequena viagem deste texto que se transformou num arrazoado mais ou menos intimista para todos os que tiverem a paciência de o ler. Sim, entre o café quente e o imenso verde da Gardunha que entra no meu olhar e enche o meu coração dou-me conta que, na verdade, as melhores coisas da vida não são as coisas que temos mas sim as pessoas, os afectos, os momentos e, sobretudo, a nossa vida de todos os dias onde o que é essencial não se mede pelo preço mas pela qualidade. Sempre valorizei as coisas que não são coisas. Não desprezo as coisas que são efectivamente coisas. Precisamos delas. Acompanham-nos na viagem. São úteis e tantas vezes fúteis. Tudo depende da nossa perspectiva. Porém, e olhando de novo para o azulejo azul que tranquilamente forma conjunto com outros nesta simples toalha de mesa, percebo melhor o que há muito está presente no meu horizonte: as melhores coisas da vida não são coisas! Aqui, o azulejo - e a frase que ele contém - funciona como uma espécie de campainha que nos acorda para a realidade como a querer dizer-nos que devemos empenhar-nos ainda mais na valorização das coisas que não são coisas porque a vida corre muito depressa. E quando chegarmos ao fim na nossa viagem, atravessarmos o rio derradeiro, levados pelo homem da barca, não podemos levar connosco as coisas que são coisas. Essas ficam na margem para os que ainda não estão em tempo de seguir na viagem sem retorno. No nosso trajecto final, nesse instante do último olhar para trás, só podemos levar o que cabe no nosso coração; ou seja, só podemos levar as coisas que não são coisas. E, na mesma dimensão, o melhor que podemos deixar para os que ficam são as memórias dos afectos, do amor, da camaradagem, da entreajuda e dos momentos de cumplicidades que foram forjados, sempre em conjunto, no caminho da felicidade. A chávena de café encontra-se agora vazia. Mas o meu olhar continua repartido entre o azulejo e a Gardunha. Entretanto, sigo o rasto daquela frase poderosa. Chego a Artur Buchwald, humorista norte-americano (que ficou conhecido pela sua coluna de sátira e análise política no The Washington Post) a quem é atribuída esta autêntica inspiração. O seu percurso de vida, com destaque para o final da viagem, explica o poder das palavras que juntou para nós. Esta frase, como tantas outras de muito outros autores, são agitadoras de emoções que, por sua vez, estimulam o coração a agir pela vida com conteúdo e sentido. A viagem é uma experiência fantástica mas também muito rápida. Tudo acontece num instante. Talvez por isso esta frase inscrita num azulejo português e integrante de uma simples toalha de mesa talvez nos queira dizer para afinarmos melhor os nossos caminhos no sentido de valorizarmos as melhores coisas da vida que não são coisas. E esse é um caminho do coração, de ligação e re-ligação ao amor e aos afectos. Não é, certamente, uma corrida desenfreada pela posse das coisas que são coisas. Bendito azulejo azul que nos faz acordar para a vida e nos estimula a valorizar o que deve ser valorizado. Pensem nisto enquanto arrumo a mesa e continuo a olhar para a serra da Gardunha e também a pensar como fazer melhor por causa das coisas que não são coisas.

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