OPINIóN
Actualizado 09/09/2018
Miguel Nascimento

Todos somos viciados em atrasos. Mesmo os que fazem gala em cumprir horários! Gosto de chegar a horas aos compromissos e também que os outros sejam pontuais. Tudo melhora com pontualidade e organização. Os resultados aparecem e a eficiência e eficácia aumentam. Mas, apesar de todos reconhecermos isso também não nos esquecemos que somos latinos. Logo, a pontualidade merece uma certa tolerância. Começamos por tolerar o tempo que diminui para a hora marcada quando as nossas mulheres ainda retocam calmamente a maquilhagem como se o tempo do encontro fosse como no futebol quando o árbitro dá minutos a mais por causa das pausas em função das muitas faltas cometidas. Toleramos o tempo de chegada a uma reunião ou evento por causa do café por tomar, da última cerveja da rodada com amigos ou dos habituais dedos de conversa com o vizinho sobre o estado do tempo e da governação, a última jornada da bola ou os importantíssimos e estruturais temas do condomínio. Vamos seguindo na roda da vida entre pontualidades nórdicas e atrasos sempre tolerados em modo latino. Não vem mal nenhum ao mundo por isso. As coisas fazem-se na mesma e malta vai-se tolerando. Por isso, com maior ou menos consciência, vamos percebendo que somos viciados em atrasos. Porém, o problema maior não é chegarmos atrasados aos encontros marcados. O âmago da questão reside no facto de estarmos viciados no atraso da nossa felicidade. Estamos sempre a adiar o que devíamos fazer com urgência. Estamos sempre à procura de justificações para não fazermos o que gostamos e o que verdadeiramente nos dá prazer. Estamos viciados no adiamento do que devia acontecer de forma natural. A felicidade não tem hora marcada nem o tempo certo para acontecer. A felicidade deve ser agora, no presente, e tratada como se fosse uma safra permanente, uma rotina à qual nos entregamos com prazer. Bem sei que a felicidade não é uma linha contínua e, como tal, a felicidade não existe. O caminho vive-se entre a tristeza e a alegria e entre a infelicidade e a felicidade. O aferidor de afectos anda sempre numa roda-viva, para cima e para baixo. Há coisas que não dependem de nós. Mas a maioria depende; sobretudo da nossa capacidade de procurarmos a felicidade. A nossa atitude é muito importante. Um registo muito antigo diz-nos que não há um caminho para a felicidade e que a felicidade é o caminho. Isto significa que durante os altos e baixos do nosso percurso de vida devemos procurar sempre os momentos de prazer, de alegria e felicidade. Nem sempre conseguiremos alcançar a plenitude desses desejos. Mas devemos procurá-los de forma espontânea para que essa seja sempre a direcção do caminho, mesmo nos momentos em que atravessamos todos os infernos. Há tarefas simples, desejos, aventuras e loucuras que desejamos fazer mas que vamos adiando por isto e por aquilo. Vamos mais longe dizendo que este não é o tempo e que antes temos que tratar disto e daquilo, dos filhos, da horta, do emprego e do raio que nos parta! Se procurarmos a felicidade estamos a envolver os que estão à nossa volta nessa vontade de procura e de felicidade. A felicidade é o sentido maior da nossa vida. E há muitas formas de alcançarmos esse estado de graça. Se nos deixarmos ir com o vento suave que sopra do nosso coração percebemos que não precisamos de muito para sermos felizes e também que não precisamos de correr para longe quando temos tudo ao alcance da nossa mão. Para isso temos que curar o nosso vício. Não aquele vício de chegarmos atrasados a muitas coisas. Como somos latinos esse defeito tolera-se e encaixa-se no romantismo do nosso desempenho diário. O que devemos curar é esse vício terrível e devastador de estarmos sempre a adiar a nossa felicidade. Sim, isso não é para fazer um dia. É já! É agora!

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