OPINIóN
Actualizado 26/08/2018
Marco A. Hierro

Para Joahann Goethe "a temperança é um dos maiores prazeres". Há outros, naturalmente. E igualmente maiores! Mas, alcançar a grande virtude da temperança, essa quietude do ânimo, esse fruto da ordem e do equilíbrio interior, como proclamou S. Tomás de Aquino, é, sobretudo nos tempos que correm, um feito maior e, sem dúvida, um caminho de prazer. A temperança é um conceito exigente. Desde logo exige moderação e domínio sobre as nossas vontades, instintos e reacções impulsivas e repentinas. O nosso tempo vive debaixo de uma pressão enorme. Nós somos pressionados e pressionamos os outros. Sente-se uma tensão permanente no ar. Como se costuma dizer "andamos com os nervos à flor da pele" e quase sempre "com o coração ao pé da boca". Por isso, ao mínimo sinal de crispação soltamos os nossos impulsos em todas as direcções. Fazemos o que não devemos e dizemos o que não queremos. Tudo em nome da liberdade a que a nossa impulsividade também tem direito. Mas, enquanto soltamos as nossas pressões sujeitamo-nos a que os outros façam o mesmo connosco. Perante uma tirada violenta podemos receber uma resposta ainda mais agressiva. Como se sabe, agressividade gera sempre agressividade. É o designado efeito boomerang do nosso comportamento tenso e agressivo. Não resolvemos nada. Construímos muros em vez de pontes. Não sou apologista de darmos a outra face quando somos abordados de forma violenta ou provocatória. Não devemos assumir posturas de santidade ou de candura quando percebemos que somos o alvo de terceiros. Essa postura enfraquece-nos e diminui as nossas possibilidades de seguirmos no caminho e na direcção que desejamos. De resto, como se pretende que a viagem seja longa, também percebemos que não podemos passar ao lado de certos obstáculos e contratempos. Eles são inevitáveis e fazem parte da nossa aprendizagem. Porém a habilidade reside na nossa capacidade de enfrentarmos as batalhas que temos de enfrentar e de nos desviarmos de outras completamente desnecessárias e fúteis. Essas são em maior número e fazem parte da espuma dos dias. Aí, nesse tempo do nosso horizonte, devemos convocar a temperança para conseguirmos controlar as nossas paixões e os nossos ímpetos mais irrequietos. O caminho da temperança pode não resolver todos os problemas mas evita muitos e contribui activamente para o estabelecimento de equilíbrios. A sociedade contemporânea está cada vez mais desequilibrada. E os desequilíbrios constituem terreno fértil para a conflitualidade. De certa forma voltámos à antiguidade e ao desejo do sangue na arena e dos castigos públicos nos pelourinhos. O sofrimento passou a ser encarado como produto de venda mediática e a exploração de sentimentos é, na actualidade, um combustível muito perigoso. Precisamos de ter muito cuidado com a impulsividade e com os resultados a que ela leva se entretanto não for refreada. A temperança em si é um desafio e um exercício muito difícil. Por isso, temos que o praticar muitas vezes, treinar horas a fio para que dentro de nós possa renascer essa força promotora de equilíbrios, de quietude e de paz interior. Como equilíbrio conseguimos pensar e fazer melhor. Com os impulsos somos sempre empurrados para frente. Somos estimulados a fazer isto e aquilo. Os impulsos são necessários porque não gostam de águas paradas. Mas nesse movimento de acção e de reacção precisamos de introduzir a temperança para equilibramos as forças e introduzir os equilíbrios onde eles faltam. Nem sempre é fácil. Nem sempre conseguimos executar o que pensamos. Nem sempre pensamos o que conseguimos executar. Por isso, o que verdadeiramente importa para além do prazer que a temperança em si nos dá é que, através dela, consigamos seguir em frente, aperfeiçoando o nosso caminho e desenhando telas onde as cores do equilíbrio dominem.

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