A nossa sociedade valoriza muito a perfeição, as coisas perfeitas, as pessoas perfeitas. Projectam-se imagens e mundos perfeitos. A publicidade e afins exploram o conceito de perfeição até ao infinito. A imagem do belo, dos corpos perfeitos e das vidas perfeitas estimula multidões de fiéis seguidores. Neste jogo entre a ficção e a realidade a vida acontece entre encontros e desencontros. Na impossibilidade de se alcançar a perfeição surge a frustração, a tristeza e o desespero. Desejamos ser como os outros que são perfeitos. Desejamos objectos de perfeição. Queremos ser perfeitos, com um corpo bem delineado, belo e a respirar saúde por todos os poros, como vemos a toda a hora na televisão! Mas a vida não é assim! As coisas perfeitas não existem! Nada é perfeito! E entre o que existe e o que imaginamos que existe vai uma longa distância. Somos imperfeitos, e ainda bem! Os nossos defeitos, as nossas imperfeições são o resultado das nossas experiências e das nossas viagens. Somos humanos, logo imperfeitos. Essa adjectivação da nossa condição dá-nos segurança e conforto. Trabalhamos numa obra inacabada. Erramos. Caímos e levantamo-nos. Tentamos fazer melhor. Aprendemos. Aprendemos com os erros. Caímos outra vez. Levantamo-nos outra vez. Caímos e levantamo-nos vezes sem conta. Erramos e voltamos a errar. Crescemos e tornamo-nos mais fortes com as aprendizagens dos nossos erros. Se fossemos perfeitos não tínhamos nada para aprender, nada para fazer. A perfeição não existe e ainda bem. Valorizemos então a imperfeição de que somos feitos. Valorizemo-nos nas nossas falhas e incumprimentos. A imperfeição é um caminho que deve ser seguido com aceitação e desapego. É uma oportunidade que devemos agarrar para nos definirmos, para nos construirmos! A cultura japonesa valoriza, desde há muitos séculos, a imperfeição. Gosto em particular da técnica Kintsugi que conserta as peças de cerâmica que estão partidas. No Japão valoriza-se o conserto das coisas quebradas e acredita-se que essas peças, depois de um trabalho minucioso com uma resina de laquê e ouro em pó, ficam mais belas, com outro interesse e outro valor. Os vasos quebrados, imperfeitos, não são esquecidos. Não são deitados fora! São valorizados! Essas peças exibem as marcas do tempo e os sinais de todas as vezes em que se partiram. Contam histórias preenchidas a ouro! Tornam-se objectos especiais! São referências de vida e de uma cultura que valoriza a imperfeição. Às vezes também nos sentimos vasos quebrados. O caminho do nosso tempo não é fácil. Por isso, partimo-nos tantas vezes, por dentro e por fora. Ficamos com pequenas e grandes rachadelas na pele, nos ossos, nas articulações e, sobretudo, no coração! São as nossas marcas de guerra e também o resultado das nossas experiências. Sentimo-nos ainda mais imperfeitos, quebrados! Mas são esses sinais e esses cacos todos que fazem o que nós somos. É a nossa experiência e a nossa metamorfose que se evidenciam em cada aparente descontinuidade. Temos apenas que aprender a colar os nossos cacos e a preenchê-los com o ouro dos afectos para nos sentirmos especiais e verdadeiros, com histórias para contar e com um caminho andado que podemos contemplar. Nunca seremos perfeitos! Nem queremos isso! Desejamos apenas ter a capacidade para consertar o que foi partido. Para reunir o que ficou disperso depois de tantas quedas. E aqueles que dizem que um vaso consertado não fica melhor que o vaso original devem, com fazem os orientais, aceitar o que acontece na vida como uma grande aprendizagem e aproveitar todos os momentos para curar e sarar as feridas, para colar e preencher o que ficou partido. Às vezes é preciso consertar o coração e a alma. Para isso, devemos saber esquecer e perdoar; devemo-nos libertar das amarras que nos prendem à solidão e à raiva, para seguirmos em frente, e absolutamente disponíveis para voltar atrás e consertar o que foi partido. Sim, é por aí que devemos ir!