OPINIóN
Actualizado 20/08/2017
Miguel Nascimiento

E não sobrou ninguém Primeiro levaram os comunistas / mas não me importei com isso / eu não era comunista; / em seguida levaram os sociais-democratas / mas não me importei com isso / eu também não era social-democrata; / depois levaram os judeus / mas co

A indiferença tem um som próprio. É feita de silêncio! Um silêncio que dói! Um silêncio ensurdecedor! Um silêncio que nos consome! Um silêncio que se entranha depois de se ter estranhado tanto. A indiferença é um desleixo. E o resultado do nosso crescente desinteresse pelos afectos. Julgamos, erradamente, que a felicidade se alcança apenas na nossa dimensão individual e na satisfação dos nossos caprichos. Andamos cada vez mais sozinhos apesar de partilharmos o espaço com uma multidão de desconhecidos. A linha do horizonte desafia-nos a termos mais, cada vez mais, e avançarmos num caminho individualista que procura o sucesso a todo o custo. Desejamos o sucesso para nos exibirmos perante os outros. Procuramos a felicidade no meio do sucesso apenas para nos satisfazermos na nossa pequenez. No trajecto que realizamos para alcançarmos uma coisa e outra andamos sem rumo, com uma venda nos olhos, não vemos nada e não queremos saber de ninguém e também ninguém quer saber de nós. Somos parte da indiferença que se vai apoderando deste mundo, desumanizando-o. Pedem-nos dinheiro na rua e aceleramos o passo! Vemos alguém cair e não é nada connosco! Uma criança chora com fome e viramos a cara! Alguém precisa da nossa ajuda e não fazemos nada! Estamos apenas concentrados no nosso trajecto que é coisa diferente de caminho. Somos cada vez mais indiferentes. Somos frios e desprovidos de afectos. Os problemas dos outros não são os nossos. Neste mundo é cada um por si e só quem assim pensa é que pode chegar longe. Não há tempo a perder. Não podemos parar para ver o que se passa ou se alguém precisa da nossa ajuda. Temos apenas que seguir em frente para cumprirmos os nossos objectivos. Para brilharmos muito não nos podemos desperdiçar em pormenores e em atenções. A única coisa que interessa é a indiferença que, na palavra de Mário Quintana, "é a maneira mais polida de desprezar alguém". E o desprezo é uma vantagem para o nosso trajecto. Neste processo instala-se um silêncio profundo. Um silêncio da indiferença que é a cara desta sociedade em que nos transformámos por causa da procura do sucesso e do poder. Do sucesso pelo sucesso e do poder pelo poder. E depois disso, o que fazemos? Nada! Não fazemos nada! Chegamos lá e ponto final. Fim da história. Chegámos ao fim da linha e a uma sociedade do nada, feita de espuma que se esvai num sopro, repleta de gente fria e sem sentimentos. Gente fria mas com sucesso! Mas indiferente, vazia, oca e pobre de espírito. Uma sociedade sem propósito! Sem sentido! Um aglomerado de gente indiferente a tudo e a todos. Sem afectos, sem alma! Recordo, a este propósito, o famoso poema de Martin Niemöller - "E não sobrou ninguém", para relembrar o que acontece quando somos indiferentes. Se nós não nos importarmos com ninguém também ninguém se importará connosco quando chegar a nossa vez, quando nos "quiserem levar". Este é um trajecto perigoso. Temos que o travar e partir para construirmos um caminho, de forma conjunta e solidária! Com afectos! Com alma! Precisamos de estimular a entrega, a atenção e consideração pelos outros. Sozinhos não somos nada para além de uma sombra fria e gélida de indiferença. A nossa vida constrói-se com os outros. Somos apenas por nós na medida em que os outros nos interessam. Precisamos de caminhar juntos e de fazer muito barulho para quebramos as correntes do silêncio que a indiferença emana. Temos que nos construir com outros e dar fôlego à nossa dimensão humana. Temos que ser pela diferença, não pela indiferença que é, sobretudo, a negação do ser. Precisamos de ajudar quem precisa. Precisamos que nos ajudem quando precisarmos. Precisamos de beijos, de afectos e de abraços! Precisamos de rir em conjunto e de chorar também! O caminho será livre se o fizermos acompanhados, subindo e descendo a montanha, confiando, ganhando e perdendo, mas sempre com amor e com o sentido na nossa alma colectiva que nos faz gente com sentimentos e emoções. Com uma história para contar. Para ouvirmos histórias contadas de tantos caminhos percorridos. Não importa quem segue connosco. Não importa se tem a mesma cor, a mesma religião e a mesma convicção política. O importa é que nos importamos com os outros e que outros se importam connosco, mesmo que discordem de nós! O que verdadeiramente importa é que nos importamos e que, por isso, não somos indiferentes. Não somos frios. Somos gente com alma que faz o caminho para que todos sejamos maiores que a indiferença que nos faz pequenos. Sim, o silêncio da indiferença anda por aí, mas temos que fazer muito barulho!

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