OPINIóN
Actualizado 27/11/2016
Miguel Nascimiento

A "ética da vida é sobretudo a história das minhas inquietações, que curiosamente, à medida que vou avançando na idade (...) não têm abrandado." João Lobo Antunes

Recordo a "Inquietação Interminável", o título de um livro extraordinário do neurocirurgião e escritor português João Lobo Antunes que nos deixou no passado mês de Outubro, aos 72 anos; inspiro-me nesse título e no grande lema de vida que evidencia para mergulhar nas nossas inquietações. Todos temos inquietações. Uns mais do que outros. Alguns têm consciência delas. Outros não. João Lobo Antunes teve uma vida cheia, entre o bisturi, a palavra e a cidadania. O grande mestre da neurociência disse que a "ética da vida é sobretudo a história das minhas inquietações, que curiosamente, à medida que vou avançando na idade (?) não têm abrandado." Quando muitos procuram a tranquilidade merecida outros alimentam-se, com voracidade, das suas mais profundas inquietações. No fundo, é isso que lhes dá vida, que os faz andar e, sobretudo, mover as coisas deste mundo. Uma alma inquieta desperta os sentidos. Faz-nos pensar nisto e naquilo. Como nos disse Thomas Edison, "inquietação e descontentamento são as primeiras necessidades do progresso." Os espíritos inquietos foram responsáveis pela mudança ao longo dos tempos. A inquietude é o primeiro passo da atitude. A atitude de fazer e de não deixar tudo como está. A inquietação pode trazer sofrimento. Há momentos em que se reclama a tranquilidade, qual repouso do guerreiro, para se ganhar força para a batalha seguinte. Mas a inquietação, essa coisa permanente, não deixa. Não dá descanso. Não permite pausas. Reclama o movimento e acção. E sem esse dinamismo constante há coisas que emperram e que deixam de andar. A vida é uma corrida. É uma inquietação. A inquietação do amor e da vida faz bombear o sangue da nossa existência. Alimenta a alma. Não nos deixa adormecer na tranquilidade das vidas vazias de um tempo de quase nada, sem uma ideia para defender, sem uma causa para abraçar, sem uma batalha para travar. Às vezes, no meio de tanta inquietação, reclamamos um pouco de tranquilidade, uma pausa. A corrente vai por vezes demasiado forte? a ponto de não conseguirmos agarrar as pontas todas e de não podermos atravessar para a outra margem do rio. Mas a inquietude é assim. Está dentro da nossa pele. Respira-nos! Faz de nós o que somos. No caminho da nossa vida há sempre um nervoso miudinho que alimenta a vontade de fazer isto e aquilo. Estamos aqui e estamos além. Fazemos isto mas já a pensar em fazer aquilo. Às vezes o ritmo é frenético, principalmente em momentos de criação. A excitação é permanente. É tempo de fazer e de criar. De tanto andar a inquietação leva à exaustão. Aí é tempo de parar. É uma paragem forçada. É um repouso obrigatório. Mas breve. Logo que sente as baterias carregadas o motor da inquietação lança-se em nova aventura, em novo desafio. Os inquietos sabem que um dia têm de parar e que a corrida chegará ao fim e talvez de modo completamente imprevisível. Mas nesse instante em que a tranquilidade se pode medir pela eternidade haverá muito tempo para repousar. Agora é tempo de dar "fogo à peça". É viver como se não houvesse amanhã. Nem tudo corre como se deseja. De tanto se correr os tropeções acontecem, a toda a hora. Mas, de imediato, todos se levantam para começarem tudo de novo; uma e outra vez se for necessário! O balanço faz-se no fim, também se for necessário. Não é isso que interessa. Quem vive para a vida não faz contas dessa natureza. Vive a vida e pronto, em inquietação, mas com toda a dimensão humana que isso representa. Entre virtudes e defeitos e alegrias e tristezas a vida corre depressa porque se faz tarde. O relógio não pára. A vida é uma corrida louca que deve ser vivida na sua maior intensidade. A vida é uma inquietação e também uma coisa muito bela! Vamos a isso porque o avançar da idade não diminui a intensidade da inquietação, estimula-a!

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