Há tempos, num ambiente muito agradável junto de amigos, ouvi declamar o poema "IF", de Rudyard Kipling. Confesso que não conhecia o poema nem Rudyard Kipling, apesar deste inglês, com raízes profundas na Índia do império britânico, ter sido galardoado, em 1907, com o prémio nobel da literatura. Uma falha minha, entre outras, que tenho vindo a tentar reparar. A vida, de facto, é um caminho e, acima de tudo, uma grande aprendizagem! Fiquei fascinado com este magnífico poema ? que assumiu dimensão universal - e também com a extraordinária história de vida de Rudyard Kipling. Curiosamente, e sem ter dado conta disso, a minha vida já se tinha cruzado com a narrativa de Kipling. Quem não se lembra do "livro da selva", escrito em 1894, onde o pequeno Mogli, um rapaz indiano criado por lobos e protegido pelo urso Balu, o grande mestre, e pela pantera negra Baguera, sempre acossado pelo malvado tigre Shere Kan? Sim, quando me cruzei com esta informação, também desconhecida para mim, regressei, de imediato, à minha infância e fiquei muito contente por, nesse tempo longínquo, ter entrado, embora de forma inconsciente, na narrativa de Kipling, um grande contador de histórias que, por sua vez, conseguiu passar ao mundo uma mensagem extraordinária sobre o equilíbrio que devemos manter entre homens e animais. As histórias do pequeno Mogli foram adaptadas (1967) para filme animado, produzido pela Walt Disney Company (e recentemente para o cinema) constituiu um êxito notável que povoou as memórias de milhões de crianças. A minha memória é apenas uma pequena partícula que, felizmente, faz parte desse universo. Fico muito contente com isso. Lembro-me do Mogli, da sua coragem e determinação, apoiado pelos verdadeiros amigos que sempre estiveram com ele, principalmente nas alturas mais difíceis que, quase sempre, coincidiam com as investidas do terrível tigre Shere Kan. Percebemos, através da narrativa de Kipling, que a selva, o território dos animais, tem regras de conduta, equilíbrio e harmonia,?e também estratégias políticas ardilosas que precisam de ser desmontadas para que o bem triunfe sobre o mal, fazendo regressar a beleza das coisas ao seu lugar natural. Os homens, principalmente, os que decidem os destinos do mundo deviam regressar mais vezes às leituras do universo infantil, principalmente as que, como estas de Kipling, evidenciam uma mensagem tão poderosa quanto subliminar. As histórias de Mogli, o menino lobo, e este poema "If" do grande Rudyard Kipling, exibem, entre outras coisas, uma grande lição que aprendi com humildade: é preciso continuarmos a ler e a aprender para percebermos que sabemos tão pouco do que, verdadeiramente, devíamos saber. Depois, este poema, é tão denso quanto profundo. Já o li dezenas de vezes. E a cada leitura encontro algo de novo. Não estou obcecado com ele. Mas fascina-me, na medida em que aponta um caminho. Convido-vos a um mergulho de águas profundas neste belíssimo poema para que possam beber cada uma das suas palavras e para que as mesmas vos possam inspirar e iluminar o caminho da vossa vida, principalmente nos momentos em que o trajecto apresenta menos luz e mais escuridão. Para além da leitura recomendo a sua audição, escutando a voz daqueles que sabem dizer as palavras como elas podem e devem ser ditas. Até neste patamar, faço outra descoberta, João Villaret, o grande declamador da palavra de camões, diz-nos que "Se" nós quisermos a Terra será nossa com tudo o que existe no mundo! Aqui vos deixo este conjunto arrumado de palavras repletas de significado, numa tradução de grande mérito de Guilherme de Almeida e a voz, magnífica, de João Villaret:
SE (IF)
Se és capaz de manter tua calma, quando,
todo mundo ao redor já a perdeu e te culpa.
De crer em ti quando estão todos duvidando,
e para esses no entanto achar uma desculpa.
Se és capaz de esperar sem te desesperares,
ou, enganado, não mentir ao mentiroso,
Ou, sendo odiado, sempre ao ódio te esquivares,
e não parecer bom demais, nem pretensioso.
Se és capaz de pensar - sem que a isso só te atires,
de sonhar - sem fazer dos sonhos teus senhores.
Se, encontrando a Desgraça e o Triunfo, conseguires,
tratar da mesma forma a esses dois impostores.
Se és capaz de sofrer a dor de ver mudadas,
em armadilhas as verdades que disseste
E as coisas, por que deste a vida estraçalhadas,
e refazê-las com o bem pouco que te reste.
Se és capaz de arriscar numa única parada,
tudo quanto ganhaste em toda a tua vida.
E perder e, ao perder, sem nunca dizer nada,
resignado, tornar ao ponto de partida.
De forçar coração, nervos, músculos, tudo,
a dar seja o que for que neles ainda existe.
E a persistir assim quando, exausto, contudo,
resta a vontade em ti, que ainda te ordena: Persiste!
Se és capaz de, entre a plebe, não te corromperes,
e, entre Reis, não perder a naturalidade.
E de amigos, quer bons, quer maus, te defenderes,
se a todos podes ser de alguma utilidade.
Se és capaz de dar, segundo por segundo,
ao minuto fatal todo valor e brilho.
Tua é a Terra com tudo o que existe no mundo,
e - o que ainda é muito mais - és um Homem, meu filho!
Rudyard Kipling