OPINIóN
Actualizado 31/01/2016
Miguel Nascimiento

A cidade, substantivo feminino, é ponto de partida para uma breve reflexão. A cidade, como aglomerado urbano e espaço de construção social promoveu, ao longo dos tempos, embora de forma muito lenta, a igualdade de género no acesso à governação local. A conjugação no masculino dominou durante séculos. À mulher coube sempre um papel secundário na representação social. Hoje, num tempo de sociedades modernas e progressistas, a questão da igualdade de género parece ser, em muitos casos, uma questão completamente ultrapassada na medida em que o género masculino já não domina o palco político como noutros tempos. Quase todos os partidos políticos defendem a promoção da igualdade de género nos seus programas eleitorais. Por outro lado, a constituição das respectivas listas de candidatos reflecte, de forma cada vez mais significativa, um caminho que em breve chegará à igualdade. A nossa sociedade tem vindo a realizar avanços civilizacionais muito significativos. Ainda há pouco tempo os partidos políticos apresentavam como bandeiras fracturantes a apresentação de cotas representativas de género na constituição das suas listas de candidatos. Pouco a pouco as questões aparentemente fracturantes foram sendo assimiladas por toda a classe política e, nesse sentido, o sistema teve que arrumar homens e mulheres em termos de representatividade paritária. Durante muitos anos manifestei a minha opinião contra a existência de cotas na constituição de listas na medida em que tinha a convicção que mais cedo do que tarde as mulheres conquistariam o espaço político pelas suas qualidades e competências. Estava profundamente errado. Evoluí, rapidamente, neste meu pensamento. Se não fossem as cotas muitas mulheres não chegariam aos lugares elegíveis que estavam destinados aos homens mesmo que as suas qualidades humanas, profissionais e políticas fossem de topo! Hoje tenho poucas dúvidas sobre esta matéria e de como tinha uma visão errada sobre esta perspectiva. Como é evidente, a partir do momento da institucionalização das cotas, muitas mulheres sem perfil para as funções a que se candidataram, chegaram aos lugares de poder. Mas, felizmente, muitas outras, certamente a esmagadora maioria, aproveitaram esta oportunidade para afirmarem as suas qualidades e competências, fazendo a diferença, por mil razões, nomeadamente na grande questão da governabilidade. Muitos homens, apenas por serem homens, tiveram acesso a lugares sem terem de provar nada. Mais, ocupando lugares durante anos com manifesta incompetência, assim se mantiveram apenas por serem homens. Hoje, felizmente, o caminho é o da igualdade de género e da afirmação dos méritos de cada um no quadro de um escrutínio permanente. As questões da paridade na elaboração das listas de candidatos dos partidos políticos parecem coisas do passado apesar de o nosso tempo conviver ainda, infelizmente, com casos cada vez mais graves e em número galopante de violência doméstica, com grande relevância para a cobardia exercida pelos homens sobre as mulheres. Estes são tempos assimétricos, de grandes desigualdades e contrastes sociais. No momento em que cada vez mais mulheres chegam, por mérito próprio, a cargos de liderança política conhecemos cada vez mais atrocidades cometidas sobre o género feminino. É precisamente neste tempo desigual, de angústia e de grandes incertezas que o papel da mulher, principalmente ao nível da governação local, deverá fazer toda a diferença. Deposito grande esperança nesse caminho olhando para o exemplo de muitas mulheres que sendo autarcas ou com outros cargos de grande responsabilidade política nunca abdicaram do seu papel de mães e mulheres de corpo inteiro, emprestando às funções que desempenham um perfume especial e um humanismo há muito desejado. Hoje a governação local é confrontada com múltiplos desafios a começar pela questão da heterogeneidade na construção social da cidade. Um autarca tem que saber arrumar, essencialmente, todas as questões que dizem respeito à dimensão humana muito antes de projectar a construção de um novo edifício colectivo. Este é o tempo de uma nova sensibilidade que possa abrir as portas aos caminhos do futuro. As cidades fizeram-se ao longo dos tempos na afirmação da masculinidade dos seus líderes, matando, roubando e combatendo o inimigo. Mas tarde, em tempos de paz, o homem precisou sempre de delimitar com força os seus argumentos políticos. Agora, neste tempo novo, precisamos, acima de tudo, do diálogo, da harmonia e da tolerância para construirmos os caminhos do futuro. Por isso, este é também tempo de o olhar feminino lançar o seu perfume na resolução das causas das coisas, sem exclusões de género, abrindo apenas todos os frascos de perfume que forem necessários! Estamos no tempo dos detalhes e dos momentos que apenas se alcançam no regaço de quem conhece a vulnerabilidade e está preparada para lhe dar combate, assumindo sempre o compromisso como uma luz no caminho. A mulher e a cidade é, sem dúvida, uma combinação de excelência, muito superior a todas as designações gramaticais!

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