OPINIóN
Actualizado 17/01/2016
Miguel Nascimiento

Há dias mostrava, com muito orgulho, a um amigo de Castilla y León a magnífica Rua da Cale na cidade do Fundão "aqui ao lado" na Beira Interior. Enquanto percorríamos os palmos do caminho conversávamos sobre a memória e a magia, repleta de história e tradição, que ruas como esta nos oferecem. A conversa, já se sabe, é como as cerejas; talvez, por isso, tivéssemos parado numa das suas esquinas que, por sua vez, abria novos caminhos pelas estreitas passagens que a cruzam e onde se sentem ainda os cheiros e odores de outros tempos que alimentam a esperança de um comércio local que precisa de melhores dias e novas estratégias para sobreviver e, acima de tudo, para não deixar morrer, de vez, a memória intemporal da extraordinária Rua da Cale. Enquanto decorria a animada conversa fomos interrompidos por uma senhora de idade maior que nos pediu para sairmos daquela esquina porque ali se cruzavam as furiosas "correntes de ar" que vêm da Serra Gardunha. "Ai filhos têm que sair daí por causa das correntes de ar? se não quiserem ficar com uma grande constipação! ?Também vos desejo um bom ano!", disse-nos a senhora de idade maior no meio de um sorriso e de um semblante tão doce e meigo que era capaz de quebrar todos os gelos que a Serra da Gardunha formará ao longo deste Inverno. Fiquei surpreendido e agradecido com a atitude. Também lhe desejamos bom ano! Expliquei ao meu amigo que não conhecia a senhora e que o gesto tinha sido um acto de pura bondade! Ficou perplexo! Mas também muito feliz! No meio de uma tarde fria aquele momento foi balsâmico e transformou-se num autêntico café quente que aqueceu os nossos corações. Afinal, ainda há quem se preocupe com os outros?mesmo que não os conheça! Partilho convosco este pequeno exemplo de humanismo que aconteceu nesta Rua carregada de simbolismo, neste local de encontro e sala de visitas do Fundão porque, nos dias que correm, parece que a falta de tempo para os afectos e para o relacionamento com os outros está a tomar conta dos nossos caminhos. As novas tecnologias da informação e comunicação alcançaram patamares de grande desenvolvimento. Conseguimos fazer coisas maravilhosas e a uma velocidade incrível com os modernos e magníficos aparelhos de comunicação que quase se tornaram prolongamentos do nosso corpo. A utilização destes mecanismos conferiu-nos grande vantagem para a execução de muitas tarefas. E ainda bem! Fazemos mais, de forma mais rápida e com maior qualidade um conjunto de acções que antes demoravam uma eternidade. Mas, esta constatação evidente devia ser directamente proporcional ao aumento da qualidade do nosso tempo e à disponibilização de mais atenção para os afectos. Verifico que, ao invés, nos estamos a transformar em ampliações e amplificações dos aparelhos que parecem comandar, cada vez mais, os destinos da nossa vida. Estamos cada vez mais dependentes dessas coisas tecnológicas! Já todos nos deparámos com mesas de cafés e restaurantes repletas de pessoas que não conversam porque estão focadas nos seus aparelhos, às vezes enviando SMS´s e outro tipo de mensagens para quem está imediatamente à sua frente! O crescimento tecnológico faz parte do nosso tempo e do nosso desenvolvimento. Porém, não podemos perder o nosso humanismo nas redes sociais e nos múltiplos e complexos processos comunicacionais! Precisamos da moderação e de tempo para nos olharmos nos olhos, esboçarmos um sorriso e tocarmos naqueles que se cruzam connosco no dia-a-dia! Devemos todos reclamar o tempo da moderação a este nível. Não numa lógica reivindicativa em que corremos todos a colocar um "like" numa petição até porque os nossos amigos do facebook estão a fazer isso. Devemos reclamar, acima de tudo, junto do nosso coração para equilibramos melhor as coisas, dando mais atenção às cores, aos sons, aos sabores e também ao soprar do vento. Tudo é conciliável, basta que a escolha de cada um de nós recaia sobre o caminho da moderação. Aí devemos olhar à nossa volta para apreendermos a dimensão do tempo e questionarmos a qualidade desse mesmo tempo que temos para nós e para os outros. Há coisas que não estão ao alcance dos "likes"! Há coisas que não se partilham no pequeno ecrã. Há coisas que são momentos que podem e devem ser vividos mesmo que para isso o nosso rosto enfrente o frio que vem da Serra. Neste tempo frio devemos ter cuidado com as "correntes de ar" que vêm da Serra para não nos constiparmos. Mas, devemos ter ainda mais cuidado com as outras "correntes" que vêm das novas tecnologias e cegam, por completo, o nosso caminho e a beleza da nossa dimensão humana.  

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