OPINIóN
Actualizado 15/11/2015
Miguel Nascimiento

"A crise da política está intimamente ligada à crise do futuro, à sua crescente ilegibilidade. Se não errarmos ao criar processos que nos libertem da tirania do curto prazo e nos abram um horizonte mais ambicioso, o da longue durée, a transformação de que

Os portugueses têm, entre muitas outras coisas, a capacidade extraordinária de gerirem a granítica vontade de ficar no seu chão e o impulso sempre presente de partirem, conhecendo e desbravando novos mundos, à procura do futuro e de uma vida melhor que permita colocar pão na mesa e sorrir para os dias que passam no conforto da alegria. Esta grande contradição lusa entre o ficar e o partir é uma marca indelével da nossa identidade colectiva que o Eduardo Lourenço conseguiu decifrar nos seus labirintos da saudade, vincando sempre as saudades do futuro. Recorro muitas vezes ao grande filósofo português Eduardo Lourenço porque há muito que tenho saudades do futuro.

No futuro mora muita coisa. Por ali anda a saudade que não se deixou aprisionar no passado e o amor, sempre o amor, que o fadista Camané canta sempre com tanta paixão: "Tenho tantas saudades do futuro / De um tempo que contigo hei-de viver / Não há mar não há fronteira não há muro /Que possam meu amor o amor de ter". Infelizmente, o tempo presente parece estar aprisionado pelo ódio e pela intolerância. Os ataques terroristas ao coração da Europa e aos seus valores insofismáveis que aconteceram na sexta-feira comovem o nosso coração e as lágrimas de todos nós formam agora um grande rio de solidariedade.

Um sentimento forte une-nos neste abraço às famílias das vítimas e aos que partiram sem terem conseguido alcançar o futuro. Os caminhos de todos os inocentes que tombaram em Paris foram interrompidos num instante. Instala-se o medo e o pânico na Europa. Há muito que tem vindo a acontecer a barbárie e a intolerância que ceifa vidas inocentes. Isto é terrível e precisa de ser combatido com urgência. Ficamos incrédulos e impotentes perante as imagens que nos entram em casa através do pequeno ecrã. Por momentos o nosso coração duvida se todo aquele sangue foi derramado. Será realidade ou ficção? Hesitamos na pergunta e na resposta. Mas a verdade é muito dura! Sim, morreram muitos cidadãos nestes atentados em Paris! Este presente é horrível mas está a acontecer à nossa frente. Vivemos uma crise económica e financeira muito forte. A este quadro junta-se a crise das migrações. Os valores da liberdade, igualdade e fraternidade são constantemente abalados. O ódio e a intolerância estão à espreita em cada esquina.

O futuro parece querer fugir-nos do horizonte. Por isso, estes tempos difíceis e conturbados do espaço global precisam de ser melhor entendidos para encontrarmos uma solução que resolva as suas questões. Não podemos continuar nesta incerteza e nesta debilidade. São desenhadas políticas para o tempo presente e para uma espécie de imediatismo doentio. É preciso mudar de paradigma, já! Como nos diz o filósofo Daniel Innerarity  "a crise da política está intimamente ligada à crise do futuro, à sua crescente ilegibilidade. Se não errarmos ao criar processos que nos libertem da tirania do curto prazo e nos abram um horizonte mais ambicioso, o da longue durée, a transformação de que as sociedades democráticas necessitam será o resultado imediato dessa abertura para fazer do futuro o seu mais interessante espaço de acção."

Os gritos de revolta das ruas de Paris são os mesmos de toda a Europa. Apesar da dor que se abate sobre o velho continente devemos estar unidos neste combate pelo futuro, resolvendo os problemas do presente. Devemos contribuir para a construção de uma esperança política porque como muito bem diagnosticou o professor Daniel Innerarity  "todo o sistema político, e a cultura em geral, estão virados apenas para o presente imediato e porque o nosso relacionamento com o futuro colectivo não é de esperança e projecto mas de preocupação e improvisação." Neste sentido, tenho, como o Eduardo Lourenço, saudades do futuro e, ao mesmo tempo, a forte convicção de que é absolutamente necessário que política faça do futuro a sua tarefa fundamental.

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