OPINIóN
Actualizado 18/10/2015
Miguel Nascimiento

Podemos não dar muita atenção a esse pormenor mas, na verdade, se pensarmos numa bela silhueta que rasgue os céus com a imponência de uma catedral abraçada por um casario monumental identificamos, rapidamente, a bela e amada cidade de Salamanca! A catedra

A forma da cidade é, sem dúvida, uma questão subtil que passa, na maioria das vezes, ao lado do frenesim urbano e mediático diário. O escritor francês Julien Gracq referiu que a forma da cidade "tem que ver com a sua representação mas também com a maneira de viver. Quando a cidade perde a sua forma ? a caligrafia própria e irrepetível ? deixa de ser cidade para se converter em «urbanização» (dormitório)." Todas as cidades têm a sua forma e a sua representação. Podemos não dar muita atenção a esse pormenor mas, na verdade, se pensarmos numa bela silhueta que rasgue os céus com a imponência de uma catedral abraçada por um casario monumental identificamos, rapidamente, a bela e amada cidade de Salamanca! A catedral e a sua disposição física na arquitectura da cidade não define a natureza de Salamanca mas identifica-a ao longe e prepara o visitante para um lugar mágico, repleto de espiritualidade. Salamanca é uma cidade que respira identidade, tem uma marca, uma atitude muito própria. Ali sente-se Espanha e também muitas outras geografias. É uma cidade do mundo, multicultural, densa e de mil cores. Tem uma forma que a identifica, sempre. Apesar do frio que se faz sentir, principalmente a partir deste tempo que aí vem, Salamanca é uma cidade quente, agita-se e agiganta-se em cada esquina, sempre em grande efervescência cultural. É uma cidade pequena se comparada com as grandes metrópoles europeias. Mas é grande na sua densidade cultural e espiritual. É um livro aberto de história e de arquitectura. É poesia a cada passo! O tempo e o espaço cruzam-se em cada olhar. Sentimos a ancestralidade das coisas e dos lugares. O dia e a noite são as duas faces da mesma cidade e permitem observações distintas do seu pulsar. O dia e a noite em Salamanca são dois cartões-de-visita da mesma cidade que abre as portas a dois mundos diferentes. A vida é feita na rua. As cores e os sons de todos os tempos convidam-nos a cada instante. É preciso calcorrear as suas ruas e vielas para sentir a vibração de cada imagem, estátua ou monumento. As gárgulas dos edifícios monumentais acompanham-nos com o seu olhar. Olham para nós e observam os nossos movimentos. As janelas entreabertas que permitem deixar passar a média luz convidam-nos a imaginar que vida estará acontecer lá dentro. Alguém está a ler ou a escrever um livro? Ou estão a preparar-se para sair à rua, para um passeio, dois dedos de conversa e muito provavelmente um "tapeo"? A vida de Salamanca é a rua. As esplanadas dos bares são uma espécie de sala de estar e a "Plaza Mayor" é uma verdadeira sala de jantar e lugar de todos os encontros. Parte da casa é a rua e a rua, a "calle", é parte da identidade salmantina. Esta é uma cidade das pessoas. É bela, muito bela! Tem uma vida intensa. Tem alma e uma luz singular. Apesar do seu ritmo estonteante como todas as cidades que nunca dormem têm, transmite uma tranquilidade impressionante. A sua forma é recortada entre o ponto mais alto da sua Catedral e as águas do rio Tormes. É uma silhueta magnífica que não me canso de contemplar. Cidade de mil culturas e afectos, Salamanca é um espaço com vida própria. É também como afirma Zygmunt Bauman, "um lugar onde estranhos co-existem sem deixarem de ser estranhos". Ou seja, concordo com Josep Ramoneda quando, a este propósito, refere que a cidade "é um espaço de relação polivalente e a níveis muito diferentes. Isto significa uma complexidade cultural grande. Na cidade mistura-se o cosmopolitismo com o discurso identitário e por entre mínimas pautas partilhadas emergem várias formas de transversalidade cultural e novos imaginários que, embora sejam tecidos aqui, têm a música original em lugares muito distantes". Salamanca sempre foi ponto de encontro de muitas geografias. Foi ponte de passagem para outros destinos e também um porto de abrigo da ciência e da cultura. As pedras que dão forma à sua silhueta têm uma cor que as identifica em qualquer parte do mundo e sussurram-nos sempre ao ouvido: volta sempre! Estaremos aqui à tua espera! Salamanca é, sem dúvida, a forma da cidade!

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