Há muito que cruzo a linhas de fronteira de Monfortinho e Penamacor para contemplar a Sierra de Gata, um colosso da natureza! Passei bons momentos nesta "montanha encantada" como muitos a designam a propósito da promoção e valorização do território que ela abraça. Foi através das dinâmicas das Associações de Desenvolvimento Local como a ADRACES (Portugal) e a ADISGATA (Espanha) que conheci esta serra maravilhosa e as suas gentes simpáticas.
Entre reuniões e a realização de projectos de cooperação transfronteiriça tive a oportunidade de conhecer a beleza desta serra, os seus vales verdejantes e o encanto de cada pormenor. Conheci muita gente da Sierra de Gata que gosta da sua terra e que faz tudo para a promover. Foi na Sierra de Gata que, há muitos anos, percebi a importância da cooperação transfronteiriça e da força que o somatório de vontades de um lado e do outro da fronteira pode significar para o desenvolvimento deste território interior da Península Ibérica. Foi também através da Sierra de Gata que comecei a gostar de Espanha, da sua cultura e das suas gentes.
A Sierra de Gata está no meu coração para sempre! É lá que guardo todas as memórias e afectos de um tempo marcante e fundamental para a afirmação de um caminho pessoal e de um certo sentido profissional. Uma vez, ao atravessar a "Sierra" com um companheiro de viagem e de profissão, o Pedro Salvado, deparamo-nos com um touro, grande e negro, no caminho entre Cilleros e Hoyos. Era uma silhueta de respeito que nos fixava com uns olhos aterradores! Entre o caminho estreito e a visão do precipício do vale a opção que se impôs foi dar a volta pelo caminho de Cória. O touro venceu exibindo os seus fortes argumentos.
Finalmente, lá chegámos a Hoyos com mais uma história para contar. Aquela figura negra parecia um autêntico guardião da natureza. Parecia querer dizer que aqui manda a natureza e o homem tem que pedir autorização para passar. Respeito pela natureza é o que todos devemos ter para agradecer a beleza que Deus nos deixou. A base da valorização do território raiano passa precisamente pela conservação e protecção da natureza que, por sua vez, alavancará a acção do homem no desenvolvimento da economia local e regional construindo um futuro para todos os que decidiram viver e criar os seus filhos junto a esta "montanha encantada".
A Sierra de Gata está situada, do ponto de vista geográfico, para lá da linha de fronteira com Portugal. Mas a natureza não tem fronteiras! As aves de rapina que sobrevoam esta montanha nunca perguntaram aos postos de controlo fronteiriço se podiam passar ou não para Portugal. Depois da adesão de Portugal e Espanha à então CEE e da posterior abertura de fronteiras no espaço europeu, tornou-se oficial aos olhos dos homens o caminho que a natureza há muito trilhara. Por isso, quando no início de Agosto a televisão exibiu imagens de um incêndio aterrador na Sierra de Gata que destruiu parte do seu território, queimando floresta e tudo à sua volta, obrigando à evacuação das populações das suas aldeias, confesso que fiquei emocionado.
Naquele espaço de beleza extraordinária o verde deu lugar ao negro e à impossibilidade de fuga de uma montanha que não pode sair do seu sítio. As árvores não podem correr quando as chamas se aproximam! Foi uma notícia muito triste no meio deste verão. Mas no meio da tristeza há sempre luz e esperança em dias melhores. Neste sentido, fiquei muito orgulhoso com o apoio que 100 bombeiros de Castelo Branco deram no combate a este incêndio.
Quando as chamas foram derrotadas e os bombeiros portugueses regressaram a Portugal foram aplaudidos pelas populações que ajudaram a socorrer. Felizmente a televisão também mostrou essas imagens! Fiquei emocionado! Este foi um bom exemplo de cooperação transfronteiriça e mais um marco no percurso de todos os que acreditam que a união de esforços entre portugueses e espanhóis, respeitando sempre as diferenças culturais e históricas de cada país, pode construir um futuro melhor para todos no meio de uma europa à deriva que por vezes parece, como descreveu Saramago, uma autêntica "jangada de pedra"!